Jorge Paz Amorim

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Sou Jorge Amorim, Combatente contra a viralatice direitista que assola o país há quinhentos anos.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Moro, o torturador

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Ao libertar Renato Duque, ex-diretor da Petrobras, o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, evitou que a prisão preventiva prolongada fosse usada como método de tortura psicológica e emocional para se obter novas delações premiadas, analisa Paulo Moreira Leite, diretor do 247 em Brasília, em novo artigo sobre a Lava Jato; além disso, em delações premiadas, há sempre o risco de manipulações; "Como sempre acontece quando pessoas presas são convidadas a falar, teme-se que digam não apenas o que sabem — mas aquilo que sabem que seus interrogadores desejam ouvir, gerando distorções clássicas em investigações realizadas sob elevada temperatura política, quando é fácil prejudicar determinados alvos e poupar outros", diz PML

"Juristas preocupados com o respeito aos direitos e garantias do cidadão nas investigações da Operação Lava Jato comemoram a sentença de Teori Zavaski, que atendeu ao pedido de habeas corpus feito pelos advogados de Renato de Souza Duque. Um procurador de Justiça, um professor de Direito e um advogado com muita experiência em causas no Supremo Tribunal Federal disseram ao 247 que a decisão de Teori, que, como ministro do STF, tem a ultima palavra sobre as investigações, pode estabelecer uma nova jurisprudência para as investigações. “Ele colocou a casa em ordem,” resume um advogado que, como os demais, conversou com o 247 sob a condição de não ter seu nome revelado.

Você sabe qual é o principal receio aqui. Ninguém discute a necessidade de apurar — com isenção absoluta — as gravíssimas denúncias de corrupção envolvendo a Petrobras. O que se debate são os meios empregados nesse trabalho. Numa investigação apoiada, essencialmente, na delação premiada de empresários, executivos do mercado privado e dirigentes da estatal, teme-se que a prisão preventiva tenha se transformado num atalho para fazer os acusados abrirem o bico, após uma situação de prolongado sofrimento psicológico e emocional.

Como sempre acontece quando pessoas presas são convidadas a falar, teme-se que digam não apenas o que sabem — mas aquilo que sabem que seus interrogadores desejam ouvir, gerando distorções clássicas em investigações realizadas sob elevada temperatura política, quando é fácil prejudicar determinados alvos e poupar outros. Considerando o inseparável combustível p que acompanha a investigação sobre a Petrobras desde o início, não é difícil reconhecer o imenso valor de cada palavra, cada virgula, cada nome que é pronunciado — ou mesmo insinuado.

A manutenção dos acusados em prolongados regimes de prisão preventiva — Paulo Roberto da Costa ficou numa cela da Policia Federal entre março e setembro — tem sido alvo de queixa de diversos advogados de defesa. A legislação autoriza a prisão temporária de cinco dias e, para detenções em períodos mais longos, é preciso enquadrar o acusado na prisão preventiva, o que envolve uma situação jurídica muito diferente da pessoa, pois só deve ser aplicada quando a Justiça já possui índícios robustos contra os réus.

Semanas atrás o procurador Manoel Pastana, do Paraná, emitiu pareceres nos quais sugeria a rejeição dos pedidos de soltura de presos como o argumento de que a manutenção das prisões se justificava “diante da possibilidade real de o infrator colaborar com a apuração da infração penal.” O raciocínio chamou a atenção. Permite considerar que é possível manter uma pessoa na prisão — sem julgamento, sem que a denúncia sequer tenha sido formalizada — porque ela pode “colaborar” na apuração de crimes e não porque tenham surgido provas consistentes contra ela. Para um dos advogados ouvidos pelo 247, “é este raciocínio que separa a defesa do Estado democrático de Direito do chamado Estado Policial.”

No primeiro, a prioridade envolve os direitos do cidadão, mesmo quando ele é acusado de um crime condenável — e é esta visão que permite condenar a prática de abusos contra cidadãos contra os quais podem até existir suspeitas muito sérias de envolvimento em práticas criminosas, seja nos dias presentes, contra a população pobre das grandes cidades, seja no passado de presos políticos do regime militar. Num Estado Policial, a prioridade é favorecer a investigação policial, quando a defesa do Estado deve sobrepor-se aos direitos do indivíduo — doa a quem doer.

O advogado Alberto Zacharias Toron, que atua na defesa dos diretores da empresa UTC, disse a repórter Hylda Cavaldanti, da Rede Brasil Atual, que se promovia uma barganha: “quem aceitou colaborar com a delação acabou liberado.”

Em sua sentença, Teori Zavaski empregou argumentos simples e consistentes ao mesmo tempo. Poderia, mas não o fez, avançar para o debate no plano da Constituição e dos direitos do indivíduo. Optou por fazer o debate no plano do Direito Penal.

Lembrou, em primeiro lugar, que é útil distinguir a prisão temporária da preventiva. “Como o próprio nome indica, (a temporária) tem tem prazo certo.” Já a preventiva, esclarece, é a “medida cautelar mais grave do processo final” a ponto de desafiar uma cláusula fundamental do Direito brasileiro, que é a “presunção da inocência.” Com a clareza de quem acha necessário recordar uma lição básica, o ministro fez questão de lembrar que não se pode aceitar nada que possa ser definido como pré-julgamento, pois a prisão preventiva “não pode, jamais, revelar antecipação da pena.”

Descendo ao pedido concreto de prisão preventiva para Renato Duque, a quem se atribui um lugar estratégico nas investigações em função de possíveis ligações com o Partido dos Trabalhadores, reconhecidamente o alvo político das investigações, Teori faz uma crítica direta: “a fundamentação do decreto de prisão preventiva não está relacionada à conveniência da instrução criminal ou à garantia da ordem pública mas única e exclusivamente à aplicação da lei penal.” Traduzindo para leigos: Zavaski afirma que o pedido de prisão preventiva não se destinava a impedir novos crimes, mas a garantir a punição de um cidadão que, como todos sabemos, até aquele momento, sequer fora denunciado como réu. Mesmo admitindo que sobram “elementos indicativos de materialidade e autoria de crimes graves,” o ministro faz uma referência crítica direta ao juiz Sergio Moro, mencionado no texto como “magistrado de primeira instância.” O ministro lembra que o pedido de prisão está “calcado em uma presunção de fuga, o que é categoricamente rechaçado pela jurisprudência desta corte,” lembrando que nada se apontou de concreto nesse sentido. O ministro lembra ainda que, embora mencione contas no exterior, o pedido de prisão não relaciona medidas que deveriam ter sido tomadas para localizar tais valores.

Num dos parágrafos finais da sentença o ministro cobra isonomia por parte de Sérgio Moro: “o próprio magistrado de primeiro grau aplicou medidas cautelares diversas da prisão para outros investigados tão ou mais capazes de fazer uso, em tese, de sua condição econômica para evadir-se.”

(Paulo Moreira Leite/247)

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