Sou da terra onde a Lobrás se chamava 4 e 4 e se ia lá pra comprar fechoeclair e trocar aquele que escangalhou na velha calça que fica no redengue. No rumo da Presidente Vargas uma parada para... a merenda no Jangadeiro:garapa e pastel eram os meus preferidos, mesmo que eu me sentisse depois empanturrada, com vontade de bardear dentro do ônibus Aero Clube. Às vezes o piriri era inevitável. Mal dava tempo de chegar em casa.
Ahh a minha casa... Morei anos e anos na Baixa da Conselheiro e um dos meus divertimentos preferidos era pegar água na cacimba da Gentil. Sempre fui meio alesada e deixava boa parte da água pelo caminho. O balde chegava quase sem nada, motivo pra ouvir da minha avó: não te brigo nem te ralho, só te olho.
Na minha terra não se empina pipa, mas papagaio, curica e cangula, sempre olhando pra ver se eles não estão no leso e nunca deixando a linha emboletar. Depois do laço, a comemoração, maior ainda se cortou e aparou. Se perdeu a frase inevitável: laufoiele. Era um segurando o brinquedo artesanal feito de qualquer papel, enquanto o outro gritava de longe: larga ! E o empinador sai correndo. Não gostava dessa função, sempre me abostava e os meninos eram implacáveis: cheira lambão, a velha caiu no chão e depois ainda me arremedavam...
Peteca ou fura-fura eram mais compatíveis com a minha leseira. Um triângulo desenhado no chão e dentro dele as pequenas bolinhas de vidro. Tirou de lá, ganhou a que saiu ou quem conseguia o tel. No fura-fura era essencial amolar bem a ponta do arame e sair jogando, emendando um ponto a outro sem nunca deixar que o adversário nos cercasse.
Lá na minha terra peixe não fede, tem pitiú e quem não toma banho direito tem piché. Gostamos de ser chamados de papa-chibé, aquele que adora uma farinha e que faz miséria com ela. Manga com farinha, doce de cupuaçu com farinha, sopa com farinha, macarrão com farinha. Um caribé bem quente, ralinho serve pra dar sustança ao doente e um chibé é excelente com peixe fritinho. Farinha só é ruim quando dizem: ihhh ta mais aparpada que farinha de feira !
O pirão do açaí é quase um ritual... Pode-se usar farinha d’água baguda ou mesmo a fina amarela, mas nada melhor que uma farinha de tapioca bem torradinha. Depois de tomar uma cuia bem cheia (meio litro em diante), daquele um, tipo papa é inevitável deixar a mesa todo breado e empanturrado. A barriga por acolá de tão cheia. Hora de ir para rede reparadora. Uma hora de momó é suficiente pra curar aquele despombalecimento.
A gastronomia na minha terra é tudo de bom. Se não tem pão comemos tapioquinha com manteiga ou pupunha no café, quem sabe até um bolo de milho recém-saído do forno com uma manteiga por cima da fatia, derretendo. O pão pequeno é careca e o curau, canjica e a canjica, mingau de milho. Tem gente que não gosta e ficava encarnando que esses pratos não são típicos. Preferem uma unha com bem pimenta ou um beijo de moça bem torradinho.
Na minha infância o doce que mais consumíamos, em frente ao Grupo era o quebra-queixo. De amendoim ou de gergelim. O risco era ele cair na panela que sempre havia na boca da molecada. A dor era insuportável! Muitas vezes voltei pra casa correndo, debaixo de chuva pra colocar álcool no dente, adormecer até a panela parar de doer. – Vai na chuva mesmo? – Claro não sou beiju !
Nossa Senhora de Nazaré pode ser chamada de Naza e a erisipela de izipla. Cabelos grossos e cortados curtos viram espeta caju e quem pede muito é pirangueiro, filho de pipira. É proibido malinar, andar fedorento, ser um pirento inconveniente, desses que arrancam o cascão.
Embora politicamente incorreto, adoro lembrar o “carro da phebo” passando e os lixeiros invocados tendo que ouvir esses gracejos.
Quantas vezes ouvi da minha avó, da minha mãe: - Só te digo vai! ou de uma amiga pedindo para que a gente se demorasse mais um pouco: - Espere o vinho de cupu. E o calendário paraense que além do ontem tem o dontonte e o tresontonte ?
Nos orgulhamos de falar tu e conjugá-lo corretamente, mas quem nunca ouviu essa frase? – Passasse por mim me olhasse, fizesse que nem me visse, nem falasse.
Esse é o meu Pará que querem dividir. Retalhar não só o território, mas as falas, as tradições, a cultura, a sua História. Minha terra correndo o risco de não ser esse colo materno único, ímpar, que acolhe, que abriga da chuva, que nos enche de orgulho de ser não apenas Belém, mas Alter do Chão, Bragança, Soure, Altamira, Conceição do Araguaia, Ourém, Alenquer, Curucá ...
Talvez os que acreditam que a divisão é o melhor tenham batido na mãe, comido manga com febre e não entendido a metade do que está escrito aqui ! (RUTH RENDEIRO-jornalista. Enviado a este blog pelo paraense porreta e membro honorário deste espaço, Paulo Roberto Ferreira)
7 comentários:
Me orgulho de ser nordestino de nascimento e nortista por opção, porem por pior que esta terra seja (coisa que não acho, pois se acha-se não morava aqui)não teria o direito de após me infiltrar tentar ser dono e me desfazer de um pedaço!
Sabem o porque?
Porque de onde venho existe duas coisas fundamentais em um caráter, respeito pelo alheio e o fio de bigode como identificação de lealdade!
Agora se os de outras regiões se acham com esse direito deixou com quem ler este comentário os adjetivos que lhes servem como carapuça
Respeito a postagem, mas esse mundo não reflete a realidade das outras regiões deste imenso país chamado Pará.
Sobre esta postagem veja alguns dos comentários publicados no blog do Hiroshy:
1. anonimo
novembro 5th, 2011 at 8:25
Sra. Ruth Rendeiro tudo isto que foi narrado pertence a sua terra e nada tem a ver com o pessoal que habita o futuro Carajas.
Nosso povo possui outros valores culturais e habitos que foram desenvolvendo devido ao grande isolamento e desprezo a que esta região foi submetida desde a colonização da região .
O povo da região metropolitana de Belem basicamente foi formado pela mixigenação de indios,nordestinos e portugueses que criaram cultura propria e devido as facilidades que existe ai na região nunca tiveram a coragem de vir desbravar e ocupar esta area.
Açai aqui na região não e basico na alimentação e não somos papa chibes nem torcemos por Remo ou Payssandu.
2. almir
novembro 5th, 2011 at 14:41
A Srª. Ruth que escreveu o texto acima certamente nunca morou aqui em Marabá por exemplo, não tem idéia do que é viver onde grande parte da população sequer conhece Belém e é obrigada a assistir um jornal local da Globo por exemplo falando de problemas que não lhe diz respeito, ennquanto os problemas daqui aqui ficam para 2º plano, afinal somos do interior e o que importa é a capital e as cidades que a circundam, isto só p/ citar um pequeno exemplo, acredito na união sim, na união por uma região melhor administrada, com mais saúde e educação, pensar em sentimentalismo patriótico por um estado falido no qual Marabá faz parte e conta com o desonroso título de(maior indice de homicidios e um dos piores em mais quatro quesitos como mortalidade infantil, saneamento, lixo). Francamente não acho justo tal poema, para nós que vivemos por aqui, porém poético e justíssimo para o povo que vive no oxalá Novo Pará que com certeza ainda irá melhorar muito com a sua renda, seus hospitais, faculdades,etc.etc.; ficando para uso esclusivo de seu povo. O (Sim) é melhor para todos, patriotismo barato é do que meus filhos não prescisam.
União pelo pelo desenvolvimento dos 3 novos estados é no que acredito.
3. Gildene
novembro 5th, 2011 at 16:00
Nossa… se vcs em marabá sofrem tanto com o descaso e a distancia, imagine nós que moramos em conceição do araguaia, que pra ir até Belém tem duas alternativas: Ou a viajem demora 14 hrs de carro proprio pq a estrada é pessima, ou temos que passar por dois estados que sao tocantins e maranhao pra chegarmos novamente no Pará e assim chegarmos a “grande Belém”…E isso é só 1 dos varios e varios motivos que fazem com que todos nós queremos a divisão !! Poxa… temos mais do que nunk mudar isso, é 77 SIM!!!
Este é um texto prá lá de porreta. Inclui tudo de bom o que o nosso Pará possui. Seu linguajar, sua maneira de ser e de agir. Na Ilharga, sugiro que este texto seja enviado para para o Zé Geraldo, para o Giovanni Queiroz. Talvez assim eles pudessem sentir a realidade do povo paraense, e não cuspissem no prato que comeram, pois quando aqui chegaram por nossas bandas, foram acolhidos por nós com carinho. Quantas vezes estes cidadãos se regalaram com nosso pirão de açaí com peixe frito, nossa maniçoba, nosso tacacá, e agora, por questões e ambições políticas, erguem a bandeira do separatismo, deixando de lado aquilo que chamamos de gratidão pelo solo que os acolheram.
Minha cara Ana Luna, já estava sentindo sua falta, assim como sinto daquelas conversas matinais quase diárias.
Pena que tudo que a gente projetava acabou acontecendo.
Um abraço
É por isso que os daí de Belém não olham para o interior, nem todo mundo que constroi o Pará, tem essa cultura, respeitávelm mas é só de Belém. O Pará é muito maio que Belém, não queira que todos nós imitemos a capital.
Aqui também tem cultura, do interior e é paraense, diferente da de voces mas é paraense, por enquanto...
Oi anônimo das 21:47, acho que você não é paraense como eu, papa chibé. Morei muito tempo no interior do Pará, e, quando vim morar em Belém, não senti diferença. Nosso povo é muito acolhedor e nosso linguajar é o mesmo. Estive doente e fui tratado à caribé, tal como costumava tomar lá no meu interior.Lá onde morava, tomei muito açaí com camarão e peixe frito. Na universidade que estudei, usii muito o nosso linguajar próprio e nunca fui discriminado por isso. Portanto, tanto faz no interior como na capital, nosso povo é um só. E para terminar,te afirmo que nosso Pará, VAI continuar inteirinho, paraense como sempre foi. E deixa de ser laquito, cheio de pavulagem e com muita esturdice. Um abraço
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