Jorge Paz Amorim

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Belém, Pará, Brazil
Sou Jorge Amorim, Combatente contra a viralatice direitista que assola o país há quinhentos anos.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Do arroz ao satélite, dos aviões às vacinas, a cooperação China-Brasil

 


Entramos em 2021 com uma situação paradoxal na relação com a China: nunca o Brasil precisou tanto do país, e, desde a reação febril da extrema-direita militar à decisão de Geisel, em 1974, de estabelecer relações diplomáticas com a República Popular da China, nunca mais houve ataques verbais de autoridades brasileiras ao governo chinês, até tomar posse a equipe de extrema-direita eleita em 2018 – presidente, ministros (inclusive o de Relações Exteriores) e deputados federais –,no que parece ser competição de adolescentes tolos, para provar quem consegue ofender mais o maior parceiro comercial do Brasil.

Parceiro com o qual a balança comercial ultrapassou o patamar de US$100 bilhões em 2020, mais uma vez com saldo positivo para o Brasil (US$33,6 bilhões – dois terços do superávit total obtido no comércio exterior brasileiro no ano passado). Sim, segue sendo uma relação desigual, basicamente exportação de bens primários e importação de manufaturados, só que esse é um problema nosso – há dez anos a Confederação Nacional da Indústria (CNI) realiza estudo sobre competitividade de 18 países, no qual o Brasil fica sempre em 17º lugar no ranking, por dois fatores nos quais é campeão: financiamento (custo e acesso) e transportes (infraestrutura e custos).

O Brasil precisa tanto da China em 2021, porque ela fornece os insumos para a produção de vacinas pelo Instituto Butantã, e se for possível, também fornecerá a quantidade que falta para atender com duas doses os 90% da população, que permita-nos retornar à vida “normal” mais rápido. Há 30 dias, morrem mais de mil pessoas por dia de Covid no Brasil, e os próximos meses poderão ser piores, com a contaminação resultante das aglomerações do Carnaval e novas cepas do vírus.

Graças à parceria do Butantã com a Sinovac, empresa chinesa especializada em produção de vacinas, o Brasil hoje fabrica o imunizante para a Covid, algo inacreditável na atual conjuntura brasileira – ainda mais se comparada com a situação estrutural do setor farmacêutico nacional, que importa 95% dos insumos (35% da China e 37% da Índia)que utiliza para a fabricação de remédios.

É bem provável que a chinesa Comac já tivesse negociado com a Embraer, após a desistência da Boeing, se não fosse a hostilidade da extrema-direita brasileira. Afinal de contas, a Embraer é antiga conhecida dos chineses, desde que se instalou no país, em 2003, em fábrica na cidade de Harbin, da estatal AVIC, empresa aeroespacial e de defesa. Até 2017, quando a Embraer desistiu dessa parceria, consta que foram vendidos 166 aviões no país, modelos ERJ-145 e Legacy 650.

Assinado em 1988, o Cbers (http://www.cbers. inpe.br/) é a cooperação científica e tecnológica na área espacial, para colocar satélites brasileiros em órbita com foguetes chineses, realizada entre o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e a Academia Chinesa de Tecnologia Espacial (CAST). O Cbers monitora o espaço brasileiro, principalmente para a vigilância ambiental e agropecuária, com distribuição gratuita de imagens. Foram produzidos seis satélites nessa parceria; o sexto (Cbers-4A), entrou em órbita em dezembro de 2019, com um ano de atraso por corte de verbas – o orçamento do Inpe caiu de R$ 205 milhões, em 2010, para R$ 118 milhões, em 2020. Em 2014, o INPE participou da criação do Laboratório Conjunto Brasil-China para Clima Espacial, para produtos computacionais destinados às aplicações de clima espacial.

“Técnicos chineses virão ensinar como obter duas colheitas anuais de arroz” – essa era a manchete do Diário Oficial de São Paulo, em 28 de agosto de 1964. O acordo de cooperação, assinado pelo então governador do estado Adhemar de Barros Filho, visava desenvolver agricultura irrigada no Vale do Paraíba, a partir da estação experimental da Secretaria da Agricultura na cidade de Lorena.

Nesse mesmo ano, o conjunto “Demônios da Garoa” lançava compacto com as músicas “Trem das Onze”, de Adoniran Barbosa, e “Chum Chim Chum”, de Heitor Carillo, pintor e compositor de jingles, que apresentava de maneira caricata o chinês dono de pastelaria na cidade de São Paulo (louco para casar e que vendia “pastéis com vento”) – naquela época, em geral chineses trabalhavam em pastelarias, tinturarias e na agricultura (os primeiros trazidos para São Paulo vieram para plantações de chá e de café, no final do século XIX).

A música caiu no esquecimento, a experiência com o arroz irrigado em São Paulo não deu certo, e a China e o Brasil mudaram bastante desde então – principalmente a partir dos anos 1990. Agora, os chineses que vem para o Brasil são executivos de grandes multinacionais, como a Huawei, Citic, CDB, Sinopec, ZTE, XCMG, SANY, JAC, Zoomlion, State Grid, Fóton, Sinotruk, Chery, Foxxcon, Chongqing Grain, ICBC etc.

Após tantas experiências importantes de cooperação científica e tecnológica com a China, o Brasil precisa decidir qual estratégia deverá adotar, a partir de 2023, na cooperação entre os dois países. Primeiro, no sentido de descentralizá-la, porque na prática a cooperação até agora tem sido entre São Paulo e a China. Segundo, para aumentar a quantidade de intercâmbios entre universidades e de aprendizado de chinês e português. Terceiro, porque eles têm expertise em áreas fundamentais para o desenvolvimento brasileiro, como o de construção de portos, navios e ferrovias – a malha ferroviária chinesa é quase cinco vezes maior do que a brasileira, e a de alta velocidade já é maior do que a total nossa. E quarto, para reverter a desindustrialização brasileira, encarada até agora como se fosse algo normal – enquanto no Brasil a indústria encolhe, na China ela está sendo aperfeiçoada em escala nacional, visando torná-la a mais tecnológica e inovadora do mundo.

(Milton Pomar/ professor/ Agência PT de Notícias)

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