Embora o parágrafo 16, do artigo 4, da Lei que trata da organizações criminosas (Lei nº 12.850 de 2013) diga expressamente que “nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”, não foram poucos os processos nos quais isso ocorreu.
Em clara afronta à lei e à Constituição da República, não apenas foram proferidas condenações fundadas apenas na palavra suspeita de delatores, como com base apenas nessas palavras, procuradores e juízes lavajateiros não se sentiam constrangidos requerer e em determinar conduções coercitivas, prisões temporárias e preventivas.
Todas essas graves ilegalidades e violações da Constituição só se tornaram possíveis em razão de uma completa blindagem dos meios de comunicação e de parte da Suprema Corte e do sistema político.
O autoritarismo e os crimes praticados pelo juiz Sergio Moro e por procuradores da lava jato foram tolerados e até hoje são exaltados, bastando, para comprová-lo, ler a última entrevista do ministro Barroso.
No entanto, a decisão do STF que absolveu a senadora Gleise Hoffmann na noite de ontem e a que proibiu conduções coercitivas sem a tentativa de intimação prévia, podem se tornar um importante divisor de águas para reestabelecer a validade da Constituição e do Código de Processo Penal, como norte da atuação estatal no sistema de justiça criminal como instrumentos de garantia do cidadão contra o arbítrio e a violência praticada por agentes estatais.
Infelizmente, muitas prisões preventivas ilegais, conduções coercitivas (somente na lava jato foram mais de 200) e condenações injustas precisaram ser praticadas para que a Corte Suprema enfim exercesse o papel de guardiã da Constituição da República.
O ex-reitor da Universidade de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancelier, foi vítima desse Estado Policial capitaneado por carrascos como Moro e Barroso. Dona Marisa Letícia, da mesma forma, foi vítima desse sistema e padeceu, não tenho dúvidas, muito em decorrência da desastrosa e ilegal condução coercitiva determinada por Moro em sua casa e pela implacável perseguição à sua família.
O Estado Policial defendido por esses tétricos personagens do sistema de justiça brasileiro é origem de dor, sofrimento e fonte inesgotável de injustiça. O exercício do poder punitivo, na democracia, tem regras e o desrespeito a elas gera insegurança e caos jurídico. É nisso que personagens como Moro e Barroso têm apostado. Disse, em outro artigo, que o juiz que determinou a esterilização de uma mulher pobre em Mococa se valeu de uma forma lavajateira de ação estatal: o exercício punitivo sem regras e baseado apenas em idiossincrasias.
Para além de dor, sofrimento, prisões ilegais e condenações injustas, as delações premiadas se tornaram fonte de um mercado muito lucrativo, basta apurar o patrimônio atual de Alberto Youssef, o delator preferido de Sergio Moro.
Quando se revelou que o advogado Antônio Figueiredo Basto, conhecido como um dos grandes especialistas em delações premiadas, responsável pela negociação de nomes como Alberto Youssef, Renato Duque e Ricardo Pessoa, teria cobrado cinquenta mil dólares mensais para dar segurança e proteção junto ao Ministério Público e Polícia Federal, os porões das delações premiadas ficaram ainda mais expostos à visitação pública.
Tenho denunciado que o instituto da delação se tornou no Brasil uma lucrativa “relação premiada”, onde se comercializa de tudo: benefícios não permitidos pela lei, proteção e tráfico de influência. E isso parece não preocupar magistrados e procuradores que dizem querer passar o país a limpo. Protocolei inúmeras denúncias envolvendo o obscuro subterrâneo das delações premiadas nos órgãos de controle como a Procuradoria-Geral da República e os Conselhos Nacionais de Justiça e o do Ministério Público, que nada fizeram.
É urgente, portanto, a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso Nacional para apurar essas denúncias, doa a quem doer.
O combate à corrupção não pode servir de disfarce para a prática de crimes ou para fundamentar o exercício despótico da magistratura. Agentes públicos ou privados que praticam tráfico de influência e celebram acordos ilegais de delação não estão acobertados por nenhuma excludente de ilicitude.
(Wadih Damous/ Brasil 247)
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