Jorge Paz Amorim

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Belém, Pará, Brazil
Sou Jorge Amorim, Combatente contra a viralatice direitista que assola o país há quinhentos anos.

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Partido dos Trabalhadores. Um texto oportuno, nesse deserto de debates


Valter Pomar- (projeto de resolução para o 3º Congresso da tendência petista Articulação de Esquerda)

1. Corruptostraidores e desiludidos: estas três palavras resumem o balanço que alguns setores fazem da trajetória do Partido dos Trabalhadores, especialmente desde 2003.

2. A afirmação de que o PT seria uma organização criminosa é repetida até a saciedade pelos principais meios de comunicação, controlados pela direita e pelo grande capital. Este diagnóstico é compartilhado, de maneira mais ou menos enfática, inclusive por setores da esquerda, que ao fazê-lo incorporam não apenas a descrição de determinados fatos, mas toda uma visão de mundo que faz da “corrupção” o problema central do Brasil.

3. A afirmação de que o PT traiu a classe trabalhadora, assim como a esquerda e socialismo, foi virando um lugar comum para alguns setores da esquerda. A palavra “traição” às vezes é explícita, às vezes implícita. Curiosamente, dizem isto não apenas setores da ultraesquerda, mas também recém-egressos do PT, inclusive do agrupamento que ainda segue majoritário na direção nacional do Partido. Quando se questiona a suposta “traição” e se solicita levar em consideração a evolução das condições de vida da maioria do povo durante os governos petistas, a resposta oscila entre duas teses tucanas; os aspectos positivos tiveram origem no Plano Real e a realidade não confirma a propaganda petista.

4. A narrativa baseada na tipologia de crime & traição conduz a um terceiro tipo de  balanço: o resultado de 13 anos de governo federal encabeçado pelo PT seria a desilusão. Desilusão do brasileiro com a política, desilusão da esquerda com o PT. Frente ao que se faz necessário um choque de realismo, de pragmatismo, daquele tipo de bom senso de que só a classe dominante e seus funcionários são capazes.

5. O PT está sendo vítima de algumas técnicas de guerra ideológica que foram utilizadas, noutro tempo, contra o chamado socialismo real. Em poucas palavras, não se trata de balanço, mas de uma execução em vida, conhecida como morte civil.

6. A eficácia destas técnicas é tão grande que, como aconteceu nos anos 1990, parte do próprio PT absorve os conceitos de seus algozes. Um exemplo clássico disto é a afirmação segundo a qual o grande problema do PT foi ter aberto mão de um “projeto de país”, para no seu lugar colocar um “projeto de poder”. Frase de absoluto lugar comum, totalmente falsa e que tem como consequência prática ajudar a que o poder, esta “coisa suja”, siga intocado nas mãos da classe dominante. Outro exemplo é a adesão à tese segundo a qual fomos derrotados porque “fulano” ou porque “beltrana” agiram assim ou assado. Como se fosse possível explicar uma derrota de tal dimensão histórica, apenas ou principalmente pelos atos de uma pessoa.

8. Outra parte da esquerda, também como nos anos 1990, reage à ofensiva cerrando fileiras em defesa de tudo o que foi feito. A prova de que teríamos feito tudo certo seria o ataque da direita. Quando na verdade a direita nos ataca não principalmente pelo que fizemos, mas pelo somos; e tem êxito neste ataque não pelo que fizemos de correto, mas exatamente pelo fizemos de errado e/ou pelo que deixamos de fazer.

9. Esta é a questão central que deve ser esclarecida em nosso balanço: o que fizemos de errado e/ou o que deixamos de fazer, o que explica a derrota que sofremos em 31 de agosto de 2016 e, de maneira mais geral, o que explica os acontecimentos entre o segundo turno de 2014 e o primeiro turno de 2016?

10. É preciso que sejamos nós, do Partido dos Trabalhadores, os primeiros a apontar com clareza nossos erros, defeitos e debilidades. Se nos limitarmos a ficar falando de nossas virtudes, seremos um partido com um grande passado pela frente.

11. Entre os vários erros cometidos, há um que deve ser destacado: nossa derrota estratégica foi também a derrota de uma estratégia, da estratégia adotada desde 1995 e aprofundada a partir de 2003.

12. É preciso compreender qual era aquela estratégia, explicando como ela contribuiu ao mesmo tempo para nossas vitórias e também para nossa derrota. Porque nisto reside a “graça” da coisa toda: as virtudes transformam-se em defeito, as fortalezas transformam-se em debilidades, o que nos trouxe até aqui não permitirá seguirmos muito à frente.

13. A estratégia 1995-2016 era baseada numa certa leitura do capitalismo internacional e da sociedade brasileira. Desta leitura derivava a crença na possibilidade de conciliar, durante um largo espaço de tempo, sem conflitos mais profundos, os interesses do grande empresariado com a elevação do nível de vida da maioria do povo, com a ampliação das liberdades democráticas e com uma política externa “altiva e soberana”.

14. Em decorrência da crença acima, nossos objetivos estratégicos foram deslizando pouco a pouco: do democrático-popular e socialista, para o antineoliberal, para o progressismo “melhorista” e de inclusão social.

15. Esta última versão foi a que predominou em parte do primeiro governo Lula e em parte do segundo mandato Dilma. Já o segundo mandato de Lula foi marcado por uma inflexão antineoliberal. Em nenhum momento, entretanto, prevaleceu como objetivo estratégico a realização de reformas estruturais, democráticas e populares, articuladas com a luta pelo socialismo.

16. A estratégia 1995-2016 enfrentou o tema do poder a partir de uma lógica fundamentalmente eleitoral e institucional, segundo a qual ser governo é igual a ter o poder. E como ser governo implica em ganhar eleições, toda a nossa ação política foi mais e mais se concentrando exclusivamente nisto.

17. Abandonou-se assim a estratégia do V Encontro Nacional, que considerava que ser governo era parte da disputa pelo poder. Para o V Encontro, ser poder exigia acumular forças, construir um forte movimento social, organizar um forte partido militante em aliança com outras organizações democrático-populares, forjar uma cultura política de massas comprometida com mudanças e também conquistar uma forte presença nas instituições de Estado, principalmente através das eleições.

18. Nestes marcos, nossa presença no governo federal deveria ajudar a construir/conquistar as condições para ser poder, por exemplo: garantindo a influência dos interesses públicos sobre os “mercados”, democratizando os meios de comunicação, estabelecendo controle social sobre o aparato de Estado, realizando uma reforma político-eleitoral etc.

19. Entretanto, como subproduto da maneira estritamente eleitoral e institucional que foi prevalecendo entre nós, na prática não se disputou o poder, deixando nas mãos da classe dominante os meios para influenciar, sabotar e derrubar o governo por nós encabeçado. Dito de outra forma, a via estritamente institucional produziu desacumulo institucional.

20. No âmbito do programa e da ação de governo, houve uma crescente desidratação e uma “desideologização”. A desidratação implicava em não realizar reformas estruturais, nos concentrando em políticas públicas que dependem da tributação, que por sua vez depende do nível de investimento decidido e controlado pelo capital privado.

21. A “desideologização” implica em retirar o caráter de classe das ações que realizamos: o ponto máximo disto foi dizer que nossa meta seria construir “um país de classe média”, o que além de ser uma tolice do ponto de vista sociológico, foi um desastre do ponto de vista político.

22. Em decorrência disto tudo, se privilegiaram as alianças táticas em detrimento das alianças estratégicas. E no âmbito das alianças táticas, cresceram os compromissos com os inimigos estratégicos (ou que tinham grande potencial para converter-se em, como se viu no caso do vice-presidente golpista).

23. Além disto, enfraquecemos o peso dos partidos e movimentos sociais, em favor dos governos e mandatos parlamentares. E cresceu o oportunismo tático, como se cada batalha fosse a última e não tivesse vínculo com nossos objetivos de longo prazo. Um pequeno, mas deprimente exemplo disto é o grande e ecumênico número de candidaturas que esconderam a bandeira do PT durante as eleições municipais de 2016.

24. Pelos motivos apontados – sem prejuízo de outras questões e sem prejuízo de considerar que algum dos motivos tenha tido mais peso que outros— a estratégia que nos ajudou a ganhar quatro eleições presidenciais, que nos ajudou a construir políticas públicas que melhoraram a vida do povo, não foi suficiente para viabilizar transformações estruturais na sociedade brasileira e principalmente não criou as condições para derrotar a reação da classe dominante. Reação que, aliás, pegou muita gente de surpresa. Especialmente quem acreditava que nossa moderação ia moderar o lado de lá.

25. Se a história tivesse tido chegado ao fim em 2010, apesar dos limites e contradições o saldo seria claramente positivo em favor daquela estratégia. Entretanto, a partir de um determinado momento, a estratégia de melhorar a vida do povo através de políticas públicas implementadas a partir dos espaços legislativos e executivos conquistados através de processos eleitorais conduziu ao seguinte:

a. A vida do povo passou a melhorar cada vez menos;

b. A vida do povo passou a melhorar cada vez mais lentamente;

c. Em seguida, a vida do povo começou a piorar;

d. Tudo isto aconteceu antes que se tenha conseguido recuperar os padrões de vida médios existentes antes da onda neoliberal;

e. Caiu a adesão popular ao nosso partido, a nossas lideranças e aos nossos governos, que implementavam aquelas políticas públicas;

f. Coerente com a lógica de aliança estratégica com o grande capital, nosso governo apelou primeiro aos subsídios e depois ao ajuste fiscal para reestabelecer a confiança do empresariado. Nos dois casos, o grande empresariado respondeu com uma greve de investimentos e com o apoio à oposição de direita. Entretanto, o ajuste fiscal nos custou apoio popular;

g. O refluxo do apoio popular, somado à oposição dos que se contrapunham àquelas políticas públicas, alterou a correlação de forças política nos espaços legislativos e/ou executivos, possibilitando o regresso das forças políticas e sociais que se opunham àquelas políticas públicas e à melhoria das condições de vida do povo;

h. O regresso da antiga oposição é marcado não apenas por um retrocesso social, mas também por um aprofundamento do retrocesso econômico e político.

26. Podemos dizer que nosso governo não conseguiu resolver os problemas criados a partir da crise internacional de 2007-2008, especialmente aqueles ligados a deterioração dos preços das commodities, à dependência financeira e comercial, à força dos oligopólios – especialmente estrangeiros – vis a vis o enfraquecimento das empresas estatais.

27.Também pode ser dito que a incapacidade acima referida não é apenas a causa, mas também a consequência de um conjunto de problemas que já vinham se acumulando (fadiga de material, limites da estratégia adotada etc.), incluindo nestes problemas políticas macroeconômicas que mantiveram a predominância do setor agroexportador, o peso do setor financeiro etc.

28.Do que foi dito, podemos concluir o seguinte: 1) ou bem estamos diante de uma derrota de natureza tática, devido a causas conjunturais e/ou erros ocasionais; 2) ou bem estamos diante de uma derrota de natureza estratégica, causada por mudanças nas condições estruturais nas sociedades e no mundo, e/ou por limites insuperáveis da própria estratégia.

29. Se estivermos diante de uma derrota tática (ou seja, de uma derrota eleitoral das esquerdas), não se faz necessário alterar a estratégia. Mas se estivermos diante de algo mais profundo e mais grave do que uma derrota eleitoral e tática, neste caso se coloca a necessidade de reavaliar e no limite alterar a estratégia.

30. Em que medida o sucesso da presente onda reacionária estaria vinculado aos limites da própria estratégia adotada pela esquerda?  A este respeito, apontamos a seguir dois “efeitos colaterais” da própria estratégia, mais exatamente consequências negativas decorrentes do seu próprio sucesso:

31. Uma estratégia baseada apenas em políticas públicas tende a produzir efeitos positivos decrescentes.

32. A base das políticas públicas é a tributação, no capitalismo em que vivemos a tributação depende em última análise da rentabilidade do setor privado, rentabilidade que tende a diminuir quando há uma elevação da remuneração do trabalho, elevação da remuneração que tende a resultar – direta ou indiretamente -- das políticas públicas.

33. No caso dos países imperialistas, esta dinâmica pode ser retardada devido à exploração de outras sociedades. Mas as tentativas feitas pela socialdemocracia na Europa confirmam que mesmo nos países centrais, o capitalismo suporta por algum tempo, mas não suporta por muito tempo a ampliação do bem-estar e da democracia.

34. Lá, assim como na América Latina, podemos dizer que apenas com políticas públicas, sem reformas que alterem a correlação de forças estrutural entre as classes no interior da sociedade e do Estado, o padrão de distribuição da riqueza e o modelo de desenvolvimento, não se torna possível melhorar a vida do povo de maneira veloz, profunda e permanente.

35. Uma estratégia baseada em maiorias eleitorais tende, em parte pelos motivos expostos acima, a produzir resultados eleitorais decrescentes.

36. Devido ao decréscimo na profundidade e na velocidade das mudanças, a partir de certo momento cresce mais rápido o descontentamento do que a adesão; neste contexto, a classe dominante tem maiores chances de organizar a reação, contando para isto com os aparatos de poder que seguem em suas mãos.

37. Noutras palavras, uma estratégia que busca melhorar a vida do povo através de políticas públicas implementadas a partir dos espaços legislativos e executivos conquistados através de processos eleitorais, está fortemente arriscada a perder estes mesmos espaços e, com isso, ver as políticas públicas serem desmontadas antes que elas produzam efeitos de longa duração.

38. Como sabemos observando o conjunto das experiências de governos progressistas latino-americanos, esta dinâmica também está presente – mas de forma retardada -- naqueles casos em que houve processos constituintes, forte participação popular e democrática no Estado, e/ou instrumentos estatais de forte intervenção na produção econômica.

39. Em nenhum momento, é bom lembrar, a classe dominante e seus aliados abriram mão de utilizar um conjunto de instrumentos econômicos e políticos para buscar deter e reverter a melhoria nas condições de vida do povo. A reação adotou variadas formas, que foram da sabotagem cotidiana, passando pela oposição parlamentar até o golpe de Estado.

40. Que tenham mantido estes instrumentos sob seu controle não é um acaso, nem uma concessão indevida, é uma consequência da própria estratégia adotada, que em nenhuma hipótese previa a expropriação parcial ou total de setores das classes dominantes.

41. Por tudo que foi dito até agora, consideramos que a explicação fundamental para o êxito da ofensiva reacionária reside na estratégia adotada desde 1995 e aprofundada a partir de 2003. Outros aspectos devem ser considerados, mas de forma subordinada.

42, A medida que a direita avança na Venezuela, Argentina e Brasil, podemos dizer que estamos diante de uma contraofensiva reacionária, conformando-se assim um novo ambiente estratégico na região e dentro de cada um dos países.

43. Quais as implicações estratégicas que podem ser extraídas desta constatação? Entre as várias implicações possíveis, destacaremos a seguir a "defensiva estratégica".

44. Entramos num período de defensiva estratégia, que pode ser mais longo ou mais curto, com uma duração que depende de um conjunto de variáveis, inclusive internacionais.

45. Um período de defensiva não significa um período de passividade. Num período de defensiva travam-se grandes lutas, se obtém vitórias e até avanços. O que caracteriza um período como sendo de defensiva é o que está em jogo nele. Num período de defensiva, o objetivo principal é defender as conquistas antigas e recuperar o terreno perdido. Ou seja: os avanços parciais visam recuperar o status quo ante, o que já tínhamos e agora perdemos.

46. A defensiva não dura para sempre. Uma situação de defensiva pode se converter em uma situação de equilíbrio (relativo, como qualquer equilíbrio) e esta pode se converter numa situação de ofensiva estratégica.

47. O que permite a defensiva se converter em ofensiva é a mudança no estado de ânimo da classe trabalhadora. E esta mudança ocorre em parte como reação à ação dos inimigos e em parte por ação das diferentes vanguardas da classe, numa combinação de elementos.
48. Evidente, se existe o propósito de criar as condições para sair de uma situação de defensiva, então a ação das vanguardas deve ajudar a classe trabalhadora a mudar seu estado de ânimo.

49. Portanto, além de debater a necessidade e o conteúdo de uma nova estratégia, estamos chamados a debater quais as táticas adequadas para reagrupar forças e retomar a ofensiva.

50. Num resumo, estamos chamados a fazer um balanço de uma guerra que se encerra e na qual fomos derrotados; mas já como parte de uma nova guerra que se inicia e na qual pretendemos ser vitoriosos.

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