Jorge Paz Amorim

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Sou Jorge Amorim, Combatente contra a viralatice direitista que assola o país há quinhentos anos.

domingo, 30 de junho de 2013

A CLASSE MÉDIA SEM PROZAC



           A CLASSE MÉDIA SEM PROZAC

            No último mês as manifestações pelo país afora têm desafiado os entendimentos. Desde  bobagens sem nenhum conteúdo como “movimentos pós-modernos” (prefixozinho cada vez mais fútil), até subestimações igualmente sem utilidade do tipo “movimento de boyzinhos e patricinhas de direita”, o fato é que estes acontecimentos alteraram, ainda não é possível prever quanto, o cenário da disputa política no país , pelo menos até a próxima eleição.

            Considero que estamos diante de um movimento que se caracteriza principalmente por um sujeito notoriamente  difuso : a  classe média tradicional. Segundo pesquisa feita pelo Datafolha a composição de quase 80% das manifestações em São Paulo era de jovens, universitários e assalariados, precisa dizer mais ?

Ë de Jessé Souza, professor  da Universidade Federal de  Juiz de Fora que vem uma boa definição sobre essa classe média[1] :

“Essa classe social , ao contrário da classe alta, se reproduz pela transmissão afetiva, invisível, imperceptível porque cotidiana e dentro do universo privado da casa, das precondições que irão permitir aos filhos desta classe competir, com chances de sucesso, na aquisição e reprodução de capital cultural.”
(...)
 “ Ainda  que classe média seja um conceito vago ( e , exatamente por conta disso, excelente para todo tipo de ilusão e de violência simbólica que passa por “ciência”) ela implica em todos os casos um componente expressivo importante, e, consequentemente, uma preocupação com a “distinção social”, ou seja com um estilo de vida em todas as dimensões que permita afastá-la dos setores populares e aproximá-la das classes dominantes.”

            A questão é : por que a classe média vai para a rua e por que agora ? Creio que uma explicação possível é que ela tem a sensação de que vem perdendo seu lugar no mundo e não há perspectiva de recuperá-lo.

            É sobre os extratos médios tradicionais que mais se abate o crescimento da inflação neste momento. Ainda que não a picaretagem da “inflação do tomate”, ela existe nos serviços, nos bens importados, em eletrodomésticos sofisticados, etc.  É o dólar flutuando para cima, fazendo as viagens de férias mais caras, ou mesmo inviáveis.

 São os novos direitos das empregadas domésticas, apertando o orçamento mensal e criando uma nova forma de relacionamento ali, na intimidade, dentro de casa, onde o velho poder dos tataranetos de donos de escravos ainda guardava um pouco de sua força.  Os planos de saúde  viraram autêntico SUS ( no pior sentido) pago, obrigando não raro o recurso ao Judiciário e surgindo agora as versões “Golden”, “vip”, bem mais caras obviamente.

 São as cotas para alunos da escola pública nas universidades públicas, acirrando a concorrência na clássica forma de reprodução desta classe média, o acesso ao ensino superior. Até no serviço público, sua ocupação até hoje quase  cativa ,  começa a se desmontar o privilégio da aposentadoria integral e surge a necessidade de se conviver com a administração de fundos de pensão. O trânsito impraticável tornou  uso do potente automóvel uma tortura diária.

Os jovens e seus pais vivem a insegurança da morte, em um incêndio de boite ou pelas balas de assaltantes que invadem restaurantes, atacam na saída de escolas atrás de celulares e tênis, abordam motoristas em sinais. Boa parte das famílias convive com a dependência química.

Até seu herói do noticiário estava sob ameaça : a PEC 37, prestes a ser votada por um Congresso em franco descrédito, acabaria com o poder de investigação do Ministério Público e lançaria o país no abismo da corrupção e da impunidade ( pelo menos era isso que dizia o próprio ministério público, sem explicar bem como até hoje todas as investigações foram feitas sem que o MP tenha operado um único grampo telefônico).

Denúncias contra corrupção, especialmente mas não só, em relação as obras da copa do mundo, não à toa capitaneadas pelo canal de TV a cabo ESPN, produto de consumo típico desta classe média.

 A  ascensão dos novos “batalhadores”, na feliz expressão do professor mineiro Jessé Souza, que não sendo esta classe média tradicional, mas uma nova “classe trabalhadora”, começaram a fazer coisas como lotar aviões e aeroportos, criando um convívio muitas vezes considerado “inconveniente” e pior, pressionando a capacidade de atendimento dos serviços públicos.

Combustível existe, o fósforo foi riscado pelo governo do PSDB do estado de São Paulo quando tomou uma decisão no mínimo estranha : proibir, manu militari, manifestações contra aumento de ônibus na av. Paulista, muito embora manifestações de rua aí sejam parte cotidiana da paisagem, já vi até uma falada em árabe! E aí de fato uma coisa nova surgiu : o uso maciço das redes sociais como instrumento de mobilização de rua. Celulares e internet foram os megafones que mobilizaram a insatisfação acumulada em todo o país.

Para que isso ocorresse há uma trajetória de longa preparação. Desde a popularização dos meios de comunicação como celular e  internet, ao exercício cotidiano  da liberdade de expressão por meio de blogs, facebook, petições eletrônicas, etc. No caso jogou também papel decisivo para fortalecimento do movimento a ampla simpatia dos canais de TV aberta, que viram neles a chance de emparedar o governo federal e aí, obviamente, melhor seu posicionarem na sucessão que se avizinha.

O movimento é horizontal, não há um comando unificado, há vários líderes que falam nas redes sociais e atraem adeptos. Não há pauta definida, mas diversas pautas, todas unificadas pelo mesmo “sujeito” : uma classe média angustiada, agoniada, revoltada contra o que considera  aquilo que usurpa seu lugar ao sol :  serviço público deficiente, com ênfase no trânsito e no transporte urbano mas não só, falta de políticas para educação e saúde, segurança, a PEC 37, corrupção na administração pública com acento nos gastos pouco transparentes da copa do mundo de futebol.  Muito do que aparece serve mais para esconder a raiz da angústia : a insegurança que este segmento tem hoje sobre sua sobrevivência e reprodução. A violência é a face patológica desta tensão.

Um aspecto, ou melhor, um espectro surgiu com relevância : a repulsa aos partidos políticos existentes. Em diversos graus, vai daqueles que respeitam as opções partidárias criticando somente tentativas de aparelhar o movimento, até atitudes notoriamente fascistas de agressão física à militantes identificados.

De todo modo o ovo da serpente da busca de uma liderança carismática, forte, autoritária,  acima dos partidos e das instituições tidas por falidas está lançado, resta saber se haverá quem o choque com sucesso e retome o discurso de Benito Mussoline : “ A existência dos partidos fraciona a nação e a política é o reino da divisão do povo”.

A fragmentação dos movimentos faz com que seja difícil a interlocução institucional sobre as demandas, o que milita em favor do seu arrefecimento, mas não pode ser motivo para desconhecimento daquilo que os levou á rua.

Frente a isso as forças políticas, dado a rapidez do movimento atuaram de improviso que, como sempre, só é feliz no jazz. A oposição de Marina a Aécio Neves ficou muda. Como à muito não possui um programa claro para o Brasil a não ser o de voltar ao governo custe o que custar, também não tem o que oferecer às ruas.

Do lado do governo o improviso gerou coisas desnecessárias como, por exemplo, conceber crime de corrupção como “crime hediondo”, mera concessão ao conservadorismo demagógico.  A proposta feita de improviso da “constituinte” para reforma política e plebiscito, apesar de ser uma ideia a ser discutida foi feita de forma confusa, cheia de idas e vindas, não mexe na raiz do problema.

Apesar disso é ainda no governo que algo de bom pode surgir. Há uma obra a ser defendida. Uma obra de inclusão social de milhões de brasileiros, de geração de milhões de empregos, de retomada de uma política industrial e agrícola,  de uma exitosa política externa, de resistência à crise internacional que se arrasta desde 2008 e depois dos EUA vitima implacavelmente a Europa.

O que não pode acontecer agora é render-se  à banca que exige mais taxa de juros e assim parasitar o país, freando qualquer possibilidade de crescimento; é cair no conto do vigário da austeridade burra e diminuir investimentos públicos essenciais para manutenção das boas taxas de emprego; é não combater a especulação do dólar inclusive com as reservas que existem; é render-se a um pragmatismo político que agora virá com a cantinela de um fisiologismo regional, apto a descaracterizar as forças que sustentam o atual governo como forças de mudanças, mesmo com concessões pontuais.

É preciso olhar para esta classe média e travar o bom combate em seu interior.  Aumento expressivo de vagas nas universidades públicas com contratação de professores qualificados e avanço nas condições de ensino e pesquisa ; mudança profunda nas agências reguladoras de serviços públicos, hoje, em regra, claramente capturadas pelos interesses privados que deveriam fiscalizar e regular, ou, mesmo quando não chega a tanto, incapazes de impor efetividade em suas decisões.

Uma nova política para o problema das drogas, que permita uma disputa real pelos corações e mentes de jovens hoje em destruição. Uma política nacional de melhoria na qualidade do ensino público de primeiro e segundo graus. Enfim, não quero, nem posso escrever um programa, mas creio que o momento que se abre será de profunda disputa política e ideológica, é preciso acreditar que as pessoas estão prestando atenção e querem ouvir respostas efetivas às suas angústias que são várias e possuem bases bem reais, da capacidade das forças políticas em luta de formularem,  difundirem e, especialmente no caso do governo, colocarem em prática tais respostas, é que se decidirá o futuro.

CARLOS BOTELHO
Advogado.
carlos.botelho@uol.com.br


[1] SOUZA, Jessé . Os Batalhadores Brasileiros. ed. UFMG, 1ª edição. 2010. Pgs 24 e 46.
CARLOS BOTELHO
Advogado.
carlos.botelho@uol.com.br


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