O empenho das manchetes alarmistas em
equiparar o horizonte elétrico atual ao desastre construído pelo
tucanato no apagão de 2001 é compreensível.
Aquele foi o episódio-síntese de um erro histórico clamoroso ungido em doutrina política pelo PSDB e assemelhados.
Seu nome é dissociação entre Estado e agenda do desenvolvimento .
Doze anos e um colapso mundial do capitalismo desregulado se passaram.
Inútil.
Diga planejamento público da economia. Ou comando estatal do crescimento. Um exército tucano sairá em revoada de faca na boca.
Estão na praça, de novo, desbastando pescoços e goelas para abrir caminho ao Adam Smith das gerais.
O apagão de 2001 machuca e atrapalha esse labor: o iluminismo tropical colonizado pelos livres mercados revelou-se então puro obscurantismo conservador.
Uma contradição nos seus próprios termos dói mais que pancada.
Prescindir do planejamento estatal na área de energia é algo só concebível em uma época em que a mentalidade política foi esfericamente colonizada pelo espírito imediatista e predador dos ditos mercados autossuficientes.
O dispositivo midiático e o PSDB foram os sujeitos históricos dessa aventura no Brasil.
Livre da mão pesada do 'intervencionismo' estatal,os mercados alocariam os investimentos da forma mais eficiente, ao menor custo e da maneira mais rápida possível. Era a promessa.
Em meados de maio de 2001, esse conto de fadas midiático-ortodoxo havia cavado uma diferença de robustos 20% entre a oferta e a demanda de eletricidade no mercado nacional.
Um período de chuvas de baixa pluviosidade pôs a nu a fraude.
O país se viu diante de uma contabilidade crítica: duas horas de apagão para cada dez de consumo.
Colosso.
O governo Dilma, ao contrário, projeta uma queda de 20% no custo da tarifa elétrica impondo às concessionárias corte de preços proporcionais ao valor dos investimentos amortizados.
A relação antagônica entre os 20% do PSDB e os 20% de Dilma é intolerável numa disputa sangrenta como promete ser a de 2014.
A necessidade de criar uma vacina ao 'apagão' emplumado explica o empenho das manchetes nos dias que correm.
Exemplos desta terça-feira, 08-01:
'Grandes indústrias já planejam racionar energia' (Globo); 'Falta de chuvas pode tolher 5 pontos do desconto na energia' (Valor);'Governo já vê risco de racionamento de energia' (Estadão)
Fatos:
a) os reservatórios do sistema hidrelétrico nacional realmente encontram-se em níveis críticos. Próximos ou até um pouco abaixo dos níveis registrados nos anos de 2000 e 2001, quando o governo tucano acordou de seu sonho mercadista, sem contrapesos de planejamento para enfrentar a escassez;
b) sábios que voltaram a borrifar seu 'iluminismo' peculiar contra os 'obscurantistas estatizantes' haviam contratado uma escuridão estrutural em pleno século 21;
c) o apagão tucano custou 3 pontos do PIB; mais um salário mínimo per capita em impostos emergenciais adicionados à conta de luz de cada brasileiro. Investimentos foram engavetados. O desemprego em São Paulo, em abril do ano seguinte, bateu em 20,4% (no auge da Depressão nos EUA, em 1937, chegou a 27%);
d) justiça seja feita: foi apenas o tiro de misericórdia numa economia já desidratada pela ortodoxia monetária, asfixiada pelo endividamento interno e externo, escalpelada pela fuga de capitais. O oposto do que ocorre hoje;
e) entre 2001 e 2012 a capacidade instalada de geração de energia no Brasil cresceu 75%;
f) o estoque de emergência formado por termelétricas aumentou 150% no mesmo período;
g) a capacidade de realocação de energia entre as regiões (os linhões de integração do sistema), cresceu 68%;
h) em setembro de 2011, a Presidenta sintetizou a guinada indo à jugular do iluminismo às avessas: "Tivemos que reconstruir esse setor";
i) a reconstrução inclui um Plano Decenal que prevê 71 novas usinas até 2017, com potencial de geração de 29.000 MW ( o equivalente a duas Itaipus).
Em resumo: encerrou-se o hiato de três décadas sem o planejamento público de grandes obras no país.
O êxito desse resgate --o comando de Estado sobre um setor estratégico-- vitaminado ademais por um redução no custo tarifário, é incompatível com os planos do conservadorismo para 2014.
O próprio FHC tem advertido aos mais entusiasmados com a aliança entre togas & tucanos.
Não adianta ganhar na narrativa midiática se o 'povão', a gente diferenciada, como dizem seus vizinhos de Higienópolis, 'percebe' avanços sociais e econômicos como conquistas carimbadas com o selo de Lula e Dilma.
É indispensável desautorizar o modelo que lastreia esse sentimento.
É crucial provar que o comando de Estado sobre os mercados é ineficiente.
Se possível, desastroso.
Será preciso chover muito para afogar essa sede incontida. Do contrário, as manchetes prosseguirão na faina de antecipar o colapso --' que só não foi hoje porque virá amanhã'.
Uma última observação:
o dispositivo midiático conservador está tão entretido nessa labuta, que descuidou dos destaques internacionais deste início de semana.
Compare-se, por exemplo, o espaço destinado à grita gerada pelo ajuste contábil nas contas fiscais de 2012, com o tratamento respeitoso dispensado a outro arranjo ,mutatis mutandis, este sim temerário e escandaloso.
O prazo para o sistema bancário mundial lastrear empréstimos em ativos de qualidade superior à montanha tóxica esfarelada com a ordem neoliberal, foi protelado por mais quatro anos.
Só deve vigorar plenamente em 2019. Ou seja, 11 anos depois de iniciada a crise decorrente justamente dessa falta de cobertura.
Originalmente, a banca deveria ingressar em 2015 já municiada de "ativos líquidos de alta qualidade" para enfrentar 30 dias de crise.
Isto é, para não exigir que os cofres estatais e os fundos públicos tenham que ser drenados outra vez na salvação de banqueiros irresponsáveis e rentistas gulosos.
A torre de vigia do orçamento fiscal brasileiro, formada como se sabe por argutos jornalistas do ramo, não expressou sua indignação diante da manobra contábil, que mantém o sistema financeiro global vulnerável por mais sete longos anos.
Não se diga que o legado da desordem financeira justifique o comedimento.
A taxa de desemprego nos 17 países da zona do euro atingiu um novo recorde: foi a quase 12% no final de 2012.
Ao todo, 26 milhões de pessoas estão sem trabalho na União Europeia. A taxa vai a 24,4% entre os jovens.
Na Espanha direitista e zelosa da ortodoxia que gerou a crise, o desastre atinge seu cume: 26,6% dos espanhóis vivem à deriva sem trabalho.
Tudo em nome da austeridade fiscal, cujo padrão os sabichões tucanos reclamam de volta para o Brasil.
Afrontá-los não implica, naturalmente, aderir a uma leitura rasteira do keynesianismo, nivelando-o a um vale tudo fiscal.
Trata-se, porém, de rejeitar no plano financeiro, também, a dissociação entre Estado e desenvolvimento, cujo equívoco ficou escancarado no episódio do apagão tucano.
Quando a sirene ortodoxa faz soar o seu apito porque o Brasil não cumpriu a meta cheia do superávit em 2012 --e o governo acode em atendê-la contabilmente-- é o subtexto desse interdito que está gritando a sua saturação também.
Constituir um Estado democrático que detenha igualmente a iniciativa histórica no plano financeiro é um dos desafios da agenda do desenvolvimento pós-2008.
Em seu artigo desta 3ª feira no jornal Valor, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo dá uma pista de como esse degrau pode ser vencido:
"A estratégia chinesa inclui um forte controle e direcionamento do crédito, cuja oferta está concentrada nos cinco grandes bancos públicos. Depois da crise de 2007/08, a relação crédito/PIB avançou de 200% para 250% (NR no Brasil é da ordem de 51%). Os principais tomadores foram as empresas públicas, privadas e semi-públicas dedicadas à execução dos grandes projetos de infraestrutura, sobretudo ferrovias de alta velocidade e infraestrutura urbana com atenção especial para o transporte coletivo".
Postado por Saul Leblon- Carta Maior
Aquele foi o episódio-síntese de um erro histórico clamoroso ungido em doutrina política pelo PSDB e assemelhados.
Seu nome é dissociação entre Estado e agenda do desenvolvimento .
Doze anos e um colapso mundial do capitalismo desregulado se passaram.
Inútil.
Diga planejamento público da economia. Ou comando estatal do crescimento. Um exército tucano sairá em revoada de faca na boca.
Estão na praça, de novo, desbastando pescoços e goelas para abrir caminho ao Adam Smith das gerais.
O apagão de 2001 machuca e atrapalha esse labor: o iluminismo tropical colonizado pelos livres mercados revelou-se então puro obscurantismo conservador.
Uma contradição nos seus próprios termos dói mais que pancada.
Prescindir do planejamento estatal na área de energia é algo só concebível em uma época em que a mentalidade política foi esfericamente colonizada pelo espírito imediatista e predador dos ditos mercados autossuficientes.
O dispositivo midiático e o PSDB foram os sujeitos históricos dessa aventura no Brasil.
Livre da mão pesada do 'intervencionismo' estatal,os mercados alocariam os investimentos da forma mais eficiente, ao menor custo e da maneira mais rápida possível. Era a promessa.
Em meados de maio de 2001, esse conto de fadas midiático-ortodoxo havia cavado uma diferença de robustos 20% entre a oferta e a demanda de eletricidade no mercado nacional.
Um período de chuvas de baixa pluviosidade pôs a nu a fraude.
O país se viu diante de uma contabilidade crítica: duas horas de apagão para cada dez de consumo.
Colosso.
O governo Dilma, ao contrário, projeta uma queda de 20% no custo da tarifa elétrica impondo às concessionárias corte de preços proporcionais ao valor dos investimentos amortizados.
A relação antagônica entre os 20% do PSDB e os 20% de Dilma é intolerável numa disputa sangrenta como promete ser a de 2014.
A necessidade de criar uma vacina ao 'apagão' emplumado explica o empenho das manchetes nos dias que correm.
Exemplos desta terça-feira, 08-01:
'Grandes indústrias já planejam racionar energia' (Globo); 'Falta de chuvas pode tolher 5 pontos do desconto na energia' (Valor);'Governo já vê risco de racionamento de energia' (Estadão)
Fatos:
a) os reservatórios do sistema hidrelétrico nacional realmente encontram-se em níveis críticos. Próximos ou até um pouco abaixo dos níveis registrados nos anos de 2000 e 2001, quando o governo tucano acordou de seu sonho mercadista, sem contrapesos de planejamento para enfrentar a escassez;
b) sábios que voltaram a borrifar seu 'iluminismo' peculiar contra os 'obscurantistas estatizantes' haviam contratado uma escuridão estrutural em pleno século 21;
c) o apagão tucano custou 3 pontos do PIB; mais um salário mínimo per capita em impostos emergenciais adicionados à conta de luz de cada brasileiro. Investimentos foram engavetados. O desemprego em São Paulo, em abril do ano seguinte, bateu em 20,4% (no auge da Depressão nos EUA, em 1937, chegou a 27%);
d) justiça seja feita: foi apenas o tiro de misericórdia numa economia já desidratada pela ortodoxia monetária, asfixiada pelo endividamento interno e externo, escalpelada pela fuga de capitais. O oposto do que ocorre hoje;
e) entre 2001 e 2012 a capacidade instalada de geração de energia no Brasil cresceu 75%;
f) o estoque de emergência formado por termelétricas aumentou 150% no mesmo período;
g) a capacidade de realocação de energia entre as regiões (os linhões de integração do sistema), cresceu 68%;
h) em setembro de 2011, a Presidenta sintetizou a guinada indo à jugular do iluminismo às avessas: "Tivemos que reconstruir esse setor";
i) a reconstrução inclui um Plano Decenal que prevê 71 novas usinas até 2017, com potencial de geração de 29.000 MW ( o equivalente a duas Itaipus).
Em resumo: encerrou-se o hiato de três décadas sem o planejamento público de grandes obras no país.
O êxito desse resgate --o comando de Estado sobre um setor estratégico-- vitaminado ademais por um redução no custo tarifário, é incompatível com os planos do conservadorismo para 2014.
O próprio FHC tem advertido aos mais entusiasmados com a aliança entre togas & tucanos.
Não adianta ganhar na narrativa midiática se o 'povão', a gente diferenciada, como dizem seus vizinhos de Higienópolis, 'percebe' avanços sociais e econômicos como conquistas carimbadas com o selo de Lula e Dilma.
É indispensável desautorizar o modelo que lastreia esse sentimento.
É crucial provar que o comando de Estado sobre os mercados é ineficiente.
Se possível, desastroso.
Será preciso chover muito para afogar essa sede incontida. Do contrário, as manchetes prosseguirão na faina de antecipar o colapso --' que só não foi hoje porque virá amanhã'.
Uma última observação:
o dispositivo midiático conservador está tão entretido nessa labuta, que descuidou dos destaques internacionais deste início de semana.
Compare-se, por exemplo, o espaço destinado à grita gerada pelo ajuste contábil nas contas fiscais de 2012, com o tratamento respeitoso dispensado a outro arranjo ,mutatis mutandis, este sim temerário e escandaloso.
O prazo para o sistema bancário mundial lastrear empréstimos em ativos de qualidade superior à montanha tóxica esfarelada com a ordem neoliberal, foi protelado por mais quatro anos.
Só deve vigorar plenamente em 2019. Ou seja, 11 anos depois de iniciada a crise decorrente justamente dessa falta de cobertura.
Originalmente, a banca deveria ingressar em 2015 já municiada de "ativos líquidos de alta qualidade" para enfrentar 30 dias de crise.
Isto é, para não exigir que os cofres estatais e os fundos públicos tenham que ser drenados outra vez na salvação de banqueiros irresponsáveis e rentistas gulosos.
A torre de vigia do orçamento fiscal brasileiro, formada como se sabe por argutos jornalistas do ramo, não expressou sua indignação diante da manobra contábil, que mantém o sistema financeiro global vulnerável por mais sete longos anos.
Não se diga que o legado da desordem financeira justifique o comedimento.
A taxa de desemprego nos 17 países da zona do euro atingiu um novo recorde: foi a quase 12% no final de 2012.
Ao todo, 26 milhões de pessoas estão sem trabalho na União Europeia. A taxa vai a 24,4% entre os jovens.
Na Espanha direitista e zelosa da ortodoxia que gerou a crise, o desastre atinge seu cume: 26,6% dos espanhóis vivem à deriva sem trabalho.
Tudo em nome da austeridade fiscal, cujo padrão os sabichões tucanos reclamam de volta para o Brasil.
Afrontá-los não implica, naturalmente, aderir a uma leitura rasteira do keynesianismo, nivelando-o a um vale tudo fiscal.
Trata-se, porém, de rejeitar no plano financeiro, também, a dissociação entre Estado e desenvolvimento, cujo equívoco ficou escancarado no episódio do apagão tucano.
Quando a sirene ortodoxa faz soar o seu apito porque o Brasil não cumpriu a meta cheia do superávit em 2012 --e o governo acode em atendê-la contabilmente-- é o subtexto desse interdito que está gritando a sua saturação também.
Constituir um Estado democrático que detenha igualmente a iniciativa histórica no plano financeiro é um dos desafios da agenda do desenvolvimento pós-2008.
Em seu artigo desta 3ª feira no jornal Valor, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo dá uma pista de como esse degrau pode ser vencido:
"A estratégia chinesa inclui um forte controle e direcionamento do crédito, cuja oferta está concentrada nos cinco grandes bancos públicos. Depois da crise de 2007/08, a relação crédito/PIB avançou de 200% para 250% (NR no Brasil é da ordem de 51%). Os principais tomadores foram as empresas públicas, privadas e semi-públicas dedicadas à execução dos grandes projetos de infraestrutura, sobretudo ferrovias de alta velocidade e infraestrutura urbana com atenção especial para o transporte coletivo".
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