No dia 1º de outubro, o mundo
despediu-se de Eric Hobsbawn. O historiador marxista, tido como um dos
maiores intelectuais do século XX, faleceu aos 95 anos.
Três dias após a morte do historiador, a revista Veja publicou em seu site a matéria, A imperdoável cegueira ideológica da Hobsbawm, onde logo na primeira frase classifica o autor como um “idiota moral”.
Na última sexta-feira (5), a Associação
Nacional de História (ANPUH) publicou uma nota, por meio de sua página
no Facebook, na qual repudia a crítica da Veja ao historiador inglês. A nota afirma que o tratamento dado pela Veja a Hobsbawn foi desrespeitoso, irresponsável e ideológico.
“Talvez Veja, tão empobrecida
em sua análise, imagine o mundo separado em coerências absolutas: o bem e
o mal. E se assim for, poderá ser ela, Veja, lembrada como de fato é: medíocre, pequena e mal intencionada”, finalizou a entidade.
Leia abaixo a íntegra da nota de repúdio
Resposta à revista VEJA
Eric Hobsbawm: um dos maiores intelectuais do século XX
Na última segunda-feira, dia 1 de
outubro, faleceu o historiador inglês Eric Hobsbawm. Intelectual
marxista, foi responsável por vasta obra a respeito da formação do
capitalismo, do nascimento da classe operária, das culturas do mundo
contemporâneo, bem como das perspectivas para o pensamento de esquerda
no século XXI. Hobsbawm, com uma obra dotada de rigor, criatividade e
profundo conhecimento empírico dos temas que tratava, formou gerações de
intelectuais. Ao lado de E. P. Thompson e Christopher Hill liderou a
geração de historiadores marxistas ingleses que superaram o
doutrinarismo e a ortodoxia dominantes quando do apogeu do stalinismo.
Deu voz aos homens e mulheres que sequer sabiam escrever. Que sequer
imaginavam que, em suas greves, motins ou mesmo festas que organizavam,
estavam a fazer História. Entendeu assim, o cotidiano e as estratégias
de vida daqueles milhares que viveram as agruras do desenvolvimento
capitalista. Mas Hobsbawm não foi apenas um “acadêmico”, no sentido de
reduzir sua ação aos limites da sala de aula ou da pesquisa documental.
Fiel à tradição do “intelectual” como divulgador de opiniões, desde
Émile Zola, Hobsbawm defendeu teses, assinou manifestos e escolheu um
lado. Empenhou-se desta forma por um mundo que considerava mais justo,
mais democrático e mais humano. Claro está que, autor de obra tão
diversa, nem sempre se concordará com suas afirmações, suas teses ou
perspectivas de futuro. Esse é o desiderato de todo homem formulador de
ideias. Como disse Hegel, a importância de um homem deve ser medida pela
importância por ele adquirida no tempo em que viveu. E não há duvidas
que, eivado de contradições, Hobsbawm é um dos homens mais importantes
do século XX.
Eis que, no entanto, a Revista Veja
reduz o historiador à condição de “idiota moral” (cf. o texto “A
imperdoável cegueira ideológica da Hobsbawm”, publicado em www.veja.abril.com.br).
Trata-se de um julgamento barato e despropositado a respeito de um dos
maiores intelectuais do século XX. Veja desconsidera a contradição que é
inerente aos homens. E se esquece do compromisso de Hobsbawm com a
democracia, inclusive quando da queda dos regimes soviéticos, de sua
preocupação com a paz e com o pluralismo. A Associação Nacional de
História (ANPUH-Brasil) repudia veementemente o tratamento
desrespeitoso, irresponsável e, sim, ideológico, deste cada vez mais
desacreditado veículo de informação. O tratamento desrespeitoso é dado
logo no início do texto “historiador esquerdista”, dito de forma
pejorativa e completamente destituído de conteúdo. E é assim em toda a
“análise” acerca do falecido historiador. Nós, historiadores, sabemos
que os homens são lembrados com suas contradições, seus erros e seus
acertos. Seguramente Hobsbawm será, inclusive, criticado por muitos de
nós. E defendido por outros tantos. E ainda existirão aqueles que o
verão como exemplo de um tempo dotado de ambiguidades, de certezas e
dúvidas que se entrelaçam. Como historiador e como cidadão do mundo.
Talvez Veja, tão empobrecida em sua análise, imagine o mundo separado em
coerências absolutas: o bem e o mal. E se assim for, poderá ser ela,
Veja, lembrada como de fato é: medíocre, pequena e mal intencionada.
São Paulo, 05 de outubro de 2012
Diretoria da Associação Nacional de História
ANPUH-Brasil
Gestão 2011-2013
(Extraído do site da Revista Forum)
Um comentário:
Quando falecer o Mainardi, a Veja o chamará de intelectual visceral.
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