O presidente do BACEN, Ilan Goldfajn, publicou nota no site da instituição no dia 19 de junho comentando o relatório de inflação do primeiro trimestre. Nela, Goldfajn comemora a queda da inflação, que era de 9% nos doze meses encerrados em junho de 2016, quando assumiu a presidência do Banco Central, para 3,8%, taxa prevista para 2017. Dias depois, em entrevista ao jornal Valor, Goldfajn afirma à jornalista Claudia Safatle que a política monetária que preside “quebrou a espinha” da inflação.
De fato, alguns analistas preveem que a inflação poderá estar rodando abaixo de 3% no último trimestre de 2017. Portanto, abaixo da mínima prevista para a banda fixada pelo sistema de metas de inflação – que pode variar este ano entre 3 e 6% – o que obrigaria o BACEN a escrever uma carta ao Conselho Monetário Nacional explicando por que teria exagerado na dose do remédio.
Em sua coluna semanal no jornal Folha de São Paulo, publicada no último dia 22, a economista Laura Carvalho analisa o comportamento recente da inflação, relativizando a comemoração do presidente do Banco Central. Sua coluna tem o mérito de decompor as causas da inflação, apontando que suas principais razões em 2015 foram o choque de preços administrados promovido por Joaquim Levy, a brusca depreciação cambial do início de 2015 e choques de oferta de produtos agrícolas provocados por razões climáticas.
Calcula-se que 6,53 pontos percentuais do IPCA de 2015, que foi de 10,67%, são explicados por esses fatores, insensíveis à política monetária. Cessados – ou pelo menos muito atenuados – os fatores causadores de mais de 60% da inflação de 2015, a taxa anualizada começou a refluir desde o início de 2016, ainda antes da posse de Goldfajn na presidência da Autoridade Monetária, o que se pode constatar observando o comportamento do IPCA anualizado, mês a mês, desde janeiro de 2016.
A margem de atuação do BC de Goldfajn sobre uma inflação já em trajetória descendente se reduziria a menos de 40% de suas causas.
É preciso também registrar que a política fiscal contracionista – e não apenas a política monetária conduzida por Goldfajn – é em parte responsável por esse resultado, o que reduziria ainda mais o alcance das medidas monetárias restritivas.
Em que pese a correção da análise efetuada por Laura Carvalho, havemos de admitir que parte não desprezível da queda da inflação é explicada pelas políticas pró-cíclicas praticadas pelo governo. A redução da inflação de serviços, que vinha desde antes de 2015 persistentemente rodando acima da variação do IPCA, pode ser explicada pela austeridade. De fato, a trajetória de queda da taxa de inflação se manteve consistente ao longo do ano de 2016, o que permitiu ao Copom iniciar um ciclo de redução da taxa Selic a partir de outubro de 2016.
Os problemas a discutir aqui são outros.
Por um lado, a queda acentuada da inflação, combinada com o conservadorismo do BACEN no manejo da taxa básica de juros da economia, causou uma alta considerável dos juros reais incidentes sobre a dívida pública. Este cenário é incompatível com a busca do equilíbrio fiscal e da retomada do crescimento econômico pela via do aumento do investimento, porque por um lado onera ainda mais o orçamento fiscal com o pagamento de juros em um contexto de queda persistente da arrecadação tributária (agravando o desequilíbrio fiscal que a austeridade pretende reduzir), e, por outro, encarece os projetos de investimento, incentivando a financeirização em lugar da inversão produtiva.
Por outro lado, o principal fator a explicar a queda da inflação de serviços é o aumento do desemprego, e, consequentemente, a queda da renda e o aumento da precarização das relações de trabalho. Ao mesmo tempo em que reduz as pressões do custo do trabalho sobre as margens de lucro das empresas, o desemprego – ou sua mera ameaça – e a queda da renda da população deprimem a demanda, tornando mais difícil reajustar preços.
De fato, o desemprego – que já vinha em crescimento desde 2015 – acelerou-se desde a posse de Goldfajn no BACEN. Segundo dados da PNAD contínua, o desemprego no trimestre encerrado em junho de 2016, quando Goldfajn assumiu o BC, foi de 11,3%. No trimestre encerrado em março de 2017, para coincidir com o mesmo período em que o presidente do BC exalta o sucesso de suas políticas, a taxa de desemprego atingiu inéditos 13,7%.
Entre os jovens, o desemprego já se aproxima de 30%. O país hoje registra mais de 14 milhões de trabalhadores desempregados, sendo mais de 2,6 milhões de novos desempregados desde a posse do novo governo.
Num ambiente em que a assistência financeira prestada aos desempregados é limitada, tanto em termos de valor quanto do tempo em que perdura, isto significa conviver com legiões crescentes de desesperançados. Os efeitos dessa perversidade já se fazem sentir, desde a alta da inadimplência ao perceptível aumento de pedintes nas ruas e da violência urbana.
Alguns dos economistas que servem a essa entidade misteriosa e insaciável, chamada “mercado”, a quem a maioria de nossa classe política parece também servir incondicionalmente, de forma insensível ao sofrimento de milhões, ainda comemoram publicamente a redução dos custos das empresas e das pressões inflacionárias pelo aumento de desemprego.
Aparentemente, a pujança de nosso mercado interno – motor do último ciclo de crescimento da economia brasileira, de 2004 a 2014 – vai sendo abandonada em favor de um modelo de sociedade (não aprovado pelas urnas) que guarda uma curiosa nostalgia do escravagismo, como demonstram as propostas de reformas previdenciária e trabalhista que pairam, quais espadas de Dâmocles, sobre as nossas cabeças.
A desigualdade volta a crescer no Brasil, após ter sido reduzida na década encerrada em 2014, e já se ameaçam conquistas civilizatórias acumuladas a duras penas desde o início do século passado. Não surpreenderia se o mais importante feito brasileiro dos anos recentes – a exclusão do país do mapa da fome da ONU – for perdido em futuro próximo.
Em conclusão, embora esteja de acordo com a análise de Laura Carvalho – a quem muito admiro – sobre o alcance limitado das políticas pró-cíclicas do governo no combate à inflação, creio que cabe discutir sobre o custo social excessivo destas mesmas políticas.
Sacrificar milhões de brasileiros no altar do “deus mercado”, retirando-lhes os meios de subsistência enquanto aumenta a transferência de recursos orçamentários aos detentores da dívida pública (ademais em um momento em que a inflação já estava em declínio), não pode parecer justo e razoável a ninguém que não esteja contaminado por crenças ilógicas na capacidade desse mesmo “deus” de recompensar nossos sacrifícios com a prosperidade eterna, se cumprirmos fielmente seus desígnios.
Segundo a sabedoria popular, existem diversos meios de se matar o carrapato. Um deles é matando-se a vaca. É nesse caminho que queremos persistir?
De fato, alguns analistas preveem que a inflação poderá estar rodando abaixo de 3% no último trimestre de 2017. Portanto, abaixo da mínima prevista para a banda fixada pelo sistema de metas de inflação – que pode variar este ano entre 3 e 6% – o que obrigaria o BACEN a escrever uma carta ao Conselho Monetário Nacional explicando por que teria exagerado na dose do remédio.
Em sua coluna semanal no jornal Folha de São Paulo, publicada no último dia 22, a economista Laura Carvalho analisa o comportamento recente da inflação, relativizando a comemoração do presidente do Banco Central. Sua coluna tem o mérito de decompor as causas da inflação, apontando que suas principais razões em 2015 foram o choque de preços administrados promovido por Joaquim Levy, a brusca depreciação cambial do início de 2015 e choques de oferta de produtos agrícolas provocados por razões climáticas.
Calcula-se que 6,53 pontos percentuais do IPCA de 2015, que foi de 10,67%, são explicados por esses fatores, insensíveis à política monetária. Cessados – ou pelo menos muito atenuados – os fatores causadores de mais de 60% da inflação de 2015, a taxa anualizada começou a refluir desde o início de 2016, ainda antes da posse de Goldfajn na presidência da Autoridade Monetária, o que se pode constatar observando o comportamento do IPCA anualizado, mês a mês, desde janeiro de 2016.
A margem de atuação do BC de Goldfajn sobre uma inflação já em trajetória descendente se reduziria a menos de 40% de suas causas.
É preciso também registrar que a política fiscal contracionista – e não apenas a política monetária conduzida por Goldfajn – é em parte responsável por esse resultado, o que reduziria ainda mais o alcance das medidas monetárias restritivas.
Em que pese a correção da análise efetuada por Laura Carvalho, havemos de admitir que parte não desprezível da queda da inflação é explicada pelas políticas pró-cíclicas praticadas pelo governo. A redução da inflação de serviços, que vinha desde antes de 2015 persistentemente rodando acima da variação do IPCA, pode ser explicada pela austeridade. De fato, a trajetória de queda da taxa de inflação se manteve consistente ao longo do ano de 2016, o que permitiu ao Copom iniciar um ciclo de redução da taxa Selic a partir de outubro de 2016.
Os problemas a discutir aqui são outros.
Por um lado, a queda acentuada da inflação, combinada com o conservadorismo do BACEN no manejo da taxa básica de juros da economia, causou uma alta considerável dos juros reais incidentes sobre a dívida pública. Este cenário é incompatível com a busca do equilíbrio fiscal e da retomada do crescimento econômico pela via do aumento do investimento, porque por um lado onera ainda mais o orçamento fiscal com o pagamento de juros em um contexto de queda persistente da arrecadação tributária (agravando o desequilíbrio fiscal que a austeridade pretende reduzir), e, por outro, encarece os projetos de investimento, incentivando a financeirização em lugar da inversão produtiva.
Por outro lado, o principal fator a explicar a queda da inflação de serviços é o aumento do desemprego, e, consequentemente, a queda da renda e o aumento da precarização das relações de trabalho. Ao mesmo tempo em que reduz as pressões do custo do trabalho sobre as margens de lucro das empresas, o desemprego – ou sua mera ameaça – e a queda da renda da população deprimem a demanda, tornando mais difícil reajustar preços.
De fato, o desemprego – que já vinha em crescimento desde 2015 – acelerou-se desde a posse de Goldfajn no BACEN. Segundo dados da PNAD contínua, o desemprego no trimestre encerrado em junho de 2016, quando Goldfajn assumiu o BC, foi de 11,3%. No trimestre encerrado em março de 2017, para coincidir com o mesmo período em que o presidente do BC exalta o sucesso de suas políticas, a taxa de desemprego atingiu inéditos 13,7%.
Entre os jovens, o desemprego já se aproxima de 30%. O país hoje registra mais de 14 milhões de trabalhadores desempregados, sendo mais de 2,6 milhões de novos desempregados desde a posse do novo governo.
Num ambiente em que a assistência financeira prestada aos desempregados é limitada, tanto em termos de valor quanto do tempo em que perdura, isto significa conviver com legiões crescentes de desesperançados. Os efeitos dessa perversidade já se fazem sentir, desde a alta da inadimplência ao perceptível aumento de pedintes nas ruas e da violência urbana.
Alguns dos economistas que servem a essa entidade misteriosa e insaciável, chamada “mercado”, a quem a maioria de nossa classe política parece também servir incondicionalmente, de forma insensível ao sofrimento de milhões, ainda comemoram publicamente a redução dos custos das empresas e das pressões inflacionárias pelo aumento de desemprego.
Aparentemente, a pujança de nosso mercado interno – motor do último ciclo de crescimento da economia brasileira, de 2004 a 2014 – vai sendo abandonada em favor de um modelo de sociedade (não aprovado pelas urnas) que guarda uma curiosa nostalgia do escravagismo, como demonstram as propostas de reformas previdenciária e trabalhista que pairam, quais espadas de Dâmocles, sobre as nossas cabeças.
A desigualdade volta a crescer no Brasil, após ter sido reduzida na década encerrada em 2014, e já se ameaçam conquistas civilizatórias acumuladas a duras penas desde o início do século passado. Não surpreenderia se o mais importante feito brasileiro dos anos recentes – a exclusão do país do mapa da fome da ONU – for perdido em futuro próximo.
Em conclusão, embora esteja de acordo com a análise de Laura Carvalho – a quem muito admiro – sobre o alcance limitado das políticas pró-cíclicas do governo no combate à inflação, creio que cabe discutir sobre o custo social excessivo destas mesmas políticas.
Sacrificar milhões de brasileiros no altar do “deus mercado”, retirando-lhes os meios de subsistência enquanto aumenta a transferência de recursos orçamentários aos detentores da dívida pública (ademais em um momento em que a inflação já estava em declínio), não pode parecer justo e razoável a ninguém que não esteja contaminado por crenças ilógicas na capacidade desse mesmo “deus” de recompensar nossos sacrifícios com a prosperidade eterna, se cumprirmos fielmente seus desígnios.
Segundo a sabedoria popular, existem diversos meios de se matar o carrapato. Um deles é matando-se a vaca. É nesse caminho que queremos persistir?
(André Luís Passos Santos- USP/ via Portal Vermelho)
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