A paralisação iniciada por familiares de policiais militares capixabas na sexta-feira passada (03/02), bloqueando as saídas dos batalhões em todo estado, gerou uma onda de violência, com mais de cem pessoas mortas, de acordo com o Sindicato dos Policiais Civis do Espírito Santo. O número de roubos e saques teria aumentado dez vezes, estima a associação. O Ministério da Justiça e Segurança Pública enviou 300 agentes da Força Nacional para auxiliar o estado no policiamento. O governo do Espírito Santo transferiu o controle da segurança pública para as Forças Armadas. Além dos 300 homens da Força Nacional, cerca de 1.500 soldados do Exército estão nas ruas capixabas.
Os manifestantes pedem reajuste salarial para a Polícia Militar, que, segundo a Constituição, é proibida de fazer greve. “O governo estadual negligenciou as duas polícias, mantendo salários baixos, más condições de trabalho e nunca abriu o diálogo para mudar essa situação. O governo vem fechando as portas para o diálogo há sete anos. O resultado está aí”, explica Alcadipani.
De acordo com a Associação de Cabos e Soldados da PM do Espírito Santo, o piso salarial da categoria, de cerca de R$ 2.600, é o mais baixo do Brasil e está defasado há quase uma década.
“Eu considero que as PMs precisam ser menores e com melhores condições. As demais polícias precisam ser fortalecidas, mas no caso específico do Espírito Santo, os policiais militares estão sofrendo muito. São necessários investimentos”, defende Alcadipani.
Policiamento compartilhado
A divisão do comando da segurança pública depende de um maior fortalecimento das polícias civis e das guardas municipais, de acordo com analistas. Com a redemocratização, a Polícia Civil ficou com um papel restrito à investigação, enquanto que a Polícia Militar manteve as características da ditadura e ficou com o poder quase que exclusivo sobre a ordem pública.
Para o sociólogo e especialista em segurança pública Cláudio Beato, o setor não pode ficar “nas mãos de um exército estadual”. Desde 2014, com a aprovação de uma lei que confere poder de polícia às guardas municipais, os grupamentos têm dividido o papel de patrulhamento ostensivo com a PM em várias cidades do país.
“É urgente que as guardas municipais tenham força de polícia. Acho que esse é o caminho, porque elas podem ser unificadas, ter carreira única e ser desmilitarizadas”, diz. “É também uma forma de afastar as corporações do militarismo.”
Segundo Beato, os municípios tendem a ter estruturas mais robustas de policiamento por meio das guardas municipais. “Acho que, cada vez mais, vai se pensar no município como uma instância que pode organizar suas próprias polícias, como ocorre nos Estados Unidos e alguns países da Europa”, argumenta.
O especialista avalia que propostas como a unificação das polícias militar e civil e a desmilitarização – desvinculação da PM do Exército – demandam um processo de longo prazo, que enfrenta muita resistência. “Nosso modelo de polícia ainda é do século 19”, critica.
Greve ou motim?
As Forças Armadas e a Polícia Militar são proibidas de fazer greve. Apesar de a justiça estadual ter condenado o movimento e o governo do Espírito Santo ter se recusado a negociar, a paralisação dos policiais já completa uma semana. A taxa média de homicídios por dia passou de quatro para quase 20 nos primeiros dias sem policiais nas ruas.
A greve iniciada na sexta-feira passada começou com um pequeno movimento de mulheres de policiais bloqueando a saída de alguns batalhões. Desde então, as famílias impedem a saída dos veículos de patrulha em todas as unidades do estado. É uma forma de os policiais contornarem a restrição de fazer greve.
“Essa paralisação mostra o grau de corporativismo das instituições policiais, que estão interessadas em defender seus interesses associativos. Se apenas uma instância tem o monopólio da segurança, acontece o que vemos agora no Espírito Santo”, diz Beato. “E isso deve ir para outros estados.”
Negociações entre policiais militares e o governo estadual ocorrem desde quarta-feira. A categoria pediu anistia a todos os policiais, devido à proibição de greve, e 100% de aumento.
“Isso é na verdade um motim. Um dos motivos para o caráter militar da polícia é que ela não pode fazer greve. O governo terá que ceder e usar o Exército durante algum tempo”, avalia o sociólogo.
“A segurança pública no Brasil faliu. Esse é só mais um exemplo”, acrescenta Alcadipani.
{DCM}
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