Jorge Paz Amorim

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Sou Jorge Amorim, Combatente contra a viralatice direitista que assola o país há quinhentos anos.

sábado, 2 de janeiro de 2016

A esquerda do século 21 é antineoliberal



A esquerda realmente existente é uma categoria histórica, que varia conforme as condições concretas de luta. Ja foi uma esquerda de “classe contra classe”, que incluía as correntes anarquistas, socialistas e comunistas. Já foi antifascista, conforme as correntes de ultra direita se fortaleciam, especialmente na Europa. Ja foi democrática e popular, socialista, conforme as forças próprias que tinha e os inimigos a enfrentar.

Conforme o capitalismo entrou na sua era neoliberal, assumiu a centralidade das teses do livre comércio, da mercantilização, colocou-se para a esquerda o desafio da ruptura com o modelo neoliberal e a construção de alternativas superadoras desse modelo – que foram designadas como pós-neoliberais.

Há uma década e meia essa perspectiva não estava clara. ONGs, alguns movimentos sociais, alguns intelectuais, propunham a luta no novo período como uma luta anti-politica, anti-Estado, anti-partidos, projetando como seu centro uma “sociedade civil”, com limites pouco claros em relação aos enfoques do liberalismo. Propunham que os movimentos sociais mantivessem uma “autonomia em relação à política, ao Estado, aos partidos”. Impuseram essa orientação aos Fóruns Sociais Mundias, com alguns movimentos como os piqueteiros argentinos e os zapatistas mexicanos como os exemplos dessa orientação.

Uma década e meia depois o cenário ficou muito mais claro, não apenas no plano teórico, mas principalmente no campo político concreto. As forças que se fortaleceram – especialmente na América Latina, mas também na Europa – foram as que centraram sua luta na superação do neoliberalismo. Redefiniram o papel do Estado, ao invés de opor a ele. Recuperaram o papel da política e dos partidos, ao invés de rejeita-los. Tesis como as de Toni Negri e de John Holloway sobre o caráter reacionário dos Estados e sobre a possibilidade de mudar o mundo sem tomar o poder, entre outras, que personificavam essas teorias, foram superadas pela realidade, enquanto o FSM se esvaziou nas mãos das ONGs.

São os governos progressistas que conseguiram realizar um imenso processo de democratização social em países como a Venezuela, o Brasil, a Argentina, o Uruguai, a Bolivia, o Equador, elegendo e reelegendo governo com amplo apoio popular, os que surgiram como as referências da esquerda no século XXI. Conseguiram a façanha de avançar na contramão das correntes predominantes no capitalismo em escala mundial, diminuindo a miséria, a pobreza, a desigualdade e a exclusão social.

Se projetaram assim como o eixo de referência da esquerda em escala mundial, com líderes reconhecidos como Hugo Chavez, Lula, Nestor e Cristina Kirchner, Pepe Mujica, Evo Morales, Rafael Correa, entre outros. A realidade concreta provou quem tinha razão no debate sobre a natureza da esquerda no novo período histórico

Enquanto essa lideranças se afirmavam, as que deveriam ser as referências das outras visões, desapareceram – como é o que caso que deveria ser paradigmático do “autonomismo piqueteiro” – ou ficaram redudizidas à intranscendência – como é o caso dos zapatistas. Tudo isso aconteceu sem que os intelectuais que haviam proposto essa via como alternativa tenham minimamente feito um balanço desse fracasso. Como são intelectuais desvinculados de qualquer prática política concreta, não têm responsabilidades pelo que escreveram ontem e se dedicam a outras teses, igualmente inócuas.

Alguns deles, fracassadas as teses autonomistas, se dedicaram à critica dos governos que avançaram concretamente na superação do neoliberalismo. Sem compreender o caráter novo desses governos, os tacharam de “traidores”, de “extrativistas”, de “neodesenvolvimentistas”, muitas vezes aliando-se à direita – a verdadeira alternativa a esses governos –, contra as forças progressistas nesses países. Não compreenderam o caráter essencialmente anti-neoliberal desses governos. Alguns intelectuais, latino-americanos ou europeus, pretendem ser a consciência critica da esquerda latino-americana, com suas posições desvinculadas das lutas e das forças concretas, sem que suas teses tenham desembocado em alguma forma alternativa. As alternativas aos governos pós-neoliberais – como fica claro na Venezuela, na Argentina, no Brasil, no Uruguai, na Bolivia, no Equador – continuam sendo as velhas forças da direita, enquanto as posições da ultra esquerda se mantêm nas suas posturas críticas, sem nenhuma ingerência nas lutas concretas. Não por acaso seus defensores são intelectuais, que falam desde suas cátedras acadêmicas, sem nenhum arraigo nas forças sociais, políticas e culturais reais.

Enquanto isso, os únicos governos que avançaram na superação das politicas de centralidade do mercado, de eliminação dos direitos sociais, na subordinação à hegemonia imperial norteamericana, foram os que souberam definir a centralidade da luta contemporânea como a luta antineoliberal

Não apenas na America Latina isso se dá, também na Europa, a definição da centralidade das lutas contemporâneas da esquerda em torno da superação do modelo neoliberal se impõe, como na Espanha, em Portugal, na Grécia, relegando outra posições aos livros e às cátedras acadêmicas.

Inclusive no momento em que governos pós-neolibrerais enfrentam dificuldades reais para passar da primeira a uma fase mais avançada de suas lutas, as posições ultra esquerdistas, que falam do “fracasso” desses governos, não explicam seu próprio fracasso, ao não conseguir constituir nenhuma força alternativa a esses governos, lugar ocupado pro forças de direita. Falam de “fim de ciclo”, quando o que se apresenta não é a superação de um ciclo, mas formas de recomposição conservadora, de retrocesso neoliberal, que não superam um ciclo mas, ao contrário, propõem um retrocesso ao ciclo anterior.

A esquerda do século XXI é, assim, antineoliberal, a que consegue construir forças concretas, alternativas sob a forma de governos, de plataformas, de grandes lideranças contemporâneas. O resto são palavras que o vento leva, sem mudar a realidade e, ao que parece, nem a cabeça dos que as escrevem e são derrotados junto com elas.

A história da esquerda contemporânea está escrita e protagonizada pelos que conseguem avançar na construção de alternativas concretas ao neoliberalismo.
(Emir Sader/ 247)

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