Em entrevista publicada hoje pela Folha, o professor Bernard Badie, diretor de Relações Internacionais do Instituto de Estudos Políticos, a respeitada Science Pô, dá uma pequena aula a respeito.
Badie explica que o ataque em Paris ocorreu depois que "a França assumiu uma política internacional muito mais favorável à intervenção exterior, particularmente no Oriente Médio, que os outros países ocidentais."
O professor diz ainda que a "maioria da Europa, que, como a Alemanha, é não intervencionista, fica bem menos exposta que a França. O governo francês escolheu, paradoxalmente, intervir contra o regime do sírio Bashar al-Assad, em agosto de 2013, mas não foi seguido por ninguém [e desistiu], e depois contra o Estado Islâmico, em 2014. Recentemente, ainda deu um passo além, deixando de atuar só no Iraque para agir sobre o território sírio. Tudo isso mostra um nível de intervenção muito maior."
A advertência do professor faz sentido, já que a experiência recente em casos semelhantes ensina que a alternativa é repetir erros que custarão milhares de vidas, terão um imenso peso material para a população francesa e das regiões atingidas - e serão incapazes de resolver qualquer problema de forma duradoura.
Meio século depois que a humanidade teve direito de festejar o fim sem retorno dos impérios coloniais, respostas militares para questões políticas estão condenadas a fracassar, por mais que sejam úteis para melhorar a popularidade de governantes em dificuldade.
Não custa recordar o destino de George W Bush após o 11 de setembro. Candidato a herói, conseguiu uma reeleição - esta era a meta real - mas deixou a Casa Branca como o pior presidente norte-americano desde 1776, o ano da independência. (Um dos efeitos colaterais previsíveis do prolongado intervencionismo dos EUA foi a criação de poderosas organizações militares, que inicialmente destinavam-se a combater adversários de Washington e mais tarde ganharam vida própria, passando a obedecer seus próprios líderes e interesses, como a Al Qaeda, nascida na guerrilha financiada pela CIA no Afeganistão, e agora o Estado Islâmico).
Candidato a vice-herói da década passada, Tony Blair dizimou o trabalhismo inglês e desde então tenta ganhar dinheiro em palestras onde pede desculpas pelos erros que cometeu e mentiras que anunciou.
Sem disposição para enfrentar as contradições da União Europeia e dar respostas efetivas à profunda crise da sociedade francesa agravada pelos programas de austeridade baixados a partir de 2008/2009, François Hollande segue a trilha de seus avôs do velho PS francês. Sessenta anos atrás, aliando-se a líderes militares empenhados na manutenção do império colonial - entre os quais sempre se destacou um tenente paraquedista chamado Jean Marie Le Pen, patrono dos fascistas do atual Front National - os socialistas jogaram a França na guerra da Argélia.
Foi na Argélia que o exército francês assumiu a liderança mundial na violência mais brutal contra prisioneiros, criando centros de tortura que mais tarde foram exportados para diversas ditaduras da América Latina, inclusive o Brasil, ajudando ferir e executar adversários políticos.
Os revolucionários argelinos não eram anjos. Centenas de milhares de mortos depois, vítimas de uma violência que partia dos dois lados, o reconhecimento de que os rebeldes falavam pelos direitos de um povo e que havia uma questão política a ser debatida que a paz tornou-se possível, gesto que projetou um estadista chamado Charles de Gaulle, em oposição ao conjunto de nulidades trêmulas em relação a um princípio elementar do mundo moderno - a soberania nacional - que o antecederam. Desmoralizada, a esquerda francesa só voltaria ao governo em 1981.
Em 2003, quando George W Bush deu início à invasão do Iraque, o Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva e a França de Jacques Chirac se uniram em oposição à guerra.
(Paulo Moreira Leite)
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