Momento curioso esse ora vivido por setores progressistas. Mostram desalento e até criticam furiosamente o governo por este ceder alguns anéis em busca da manutenção de seus dedos, isto é, da representatividade parlamentar que impeça a Câmara, ainda sob o comando de Eduardo Cunha, encaminhar o impeachment da presidenta Dilma caso a Lava Jato o coloque em maus lençóis.
Ao mesmo tempo, nutrem a ingênua expectativa que a oposição direitista core de vergonha ao ser confrontada com as denúncias que brotam aos borbotões contra Cunha, como se isto lhes levasse à conclusão, 'Oh... esse homem não é a retidão moral que pensávamos, então, vamos nos afastar deles'.
Tolice. Acompanhada de ingenuidade política. Aécio, FHC, Carlos Sampaio, Serra, Alckmin e todos os demais empenhados na deposição da presidenta tratam os malfeitos de Cunha como fato irrelevante diante do objetivo que buscam e a ajuda que Cunha pode dar para consegui-lo. Ponto final.
Todos esses têm seus malfeitos próprios, tão ou mais cabeludos, e jamais reagirão com ética diante dos fatos nem tão novos que estão sendo apresentados contra Cunha e suas reações foram muito bem traduzidas para os incautos lá atrás, na última manifestação orquestrada pela reação contra Dilma e o PT, quando alguns celerados da elite disseram mais ou menos, 'não importa se o Eduardo Cunha é corrupto, importa que ele é útil pra depor a Dilma'.
E ficamos nós, daqui do lado dela, indignados porque o admirável Chioro foi sacado do MS pra abrigar o PMDB; que o Renato saiu do MEC pra acomodar o Mercadante, enfim, que a governabilidade não será importunada via parlamento porque o governo recompôs sua base.
Quando o golpe foi desferido contra a democracia, em 1964, não perdemos apenas excelentes executivos. Paulo Freire, Celso Furtado, Josué de Castro, Darci Ribeiro, José Leite Lopes e mais umas centenas de cabeças brilhantes tiveram que fugir não de eventuais cargos públicos, mas do país porque eram vítimas de um ódio ideológico semelhante ao dispensado neste momento pela direita contra cabeças pensantes da esquerda. E com a agravante, naquele tempo, de terem os boçais a seu favor a repressão das Forças Armadas.
É evidente que não devemos nos eximir de fazer críticas ao governo e a certas medidas tomadas no campo administrativo e político, até mesmo porque faz parte do DNA de nossa formação teórica o paradigma de que o debate é que nos impulsiona ao aperfeiçoamento de nossa praxis. Entender e tolerar Joaquim Levy é tão penoso quanto foi ter as mesmas atitudes diante de Henrique Meirelles, nos tempos de Lula.
O que não podemos é partir de um raciocínio tortuoso e moralista na vã esperança que a oposição venha a tremer um músculo facial diante das denúncias contra Cunha. É tolice semelhante a achar que Aécio pedirá desculpas à população por ter usado delinquentemente aviões oficiais pra ir pra sacanagem nos finais de semana no Rio de Janeiro; ou que o desvairado Carlos Sampaio vá dar satisfações a respeito da nomeação bandalha de seu genitor como 'aspone' em uma prefeitura tucana, ou sobre os R$40 mil do caixa dois de sua campanha; e muito menos o larápio-mor, FHC, explicar a compra de votos pra sua reeleição, muito menos que condenem os malfeitos de Cunha, menos ainda quando pode ser útil ao golpismo.
Não devemos é perder o rumo na luta por uma reforma política que sepulte definitivamente a compra de votos; que acabe com os parlamentares eternos; que enterre definitivamente a lei que vigente que obriga um governante eleito a recorrer a dezenas de partidos de representatividade medíocre para poder governar. Lutar pra que avancemos no combate à corrupção e fortalecimento da legislação que pune corruptos e corruptores, sancionada por Dilma; que se aprofunde a transparência das contas públicas e se exija mais que currículos, ficha limpa pra quem se habilita a ser servidor público, pois só assim estaremos mantendo o foco no essencial, sem perder de vista o acessório, que é manter a direita rapace longe do controle do estado brasileiro.

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