O livro Operação Banqueiro, do repórter Rubens Valente, que está chegando nesta sexta-feira às livrarias, é uma bomba atômica de efeito retardado.
Apesar da relutância da mídia brasileira em investigar a fundo os tucanos — pelo menos com furor equivalente ao dedicado ao PT –, o livro vem compor um quebra-cabeças pacientemente montado graças, acima de tudo, a iniciativas individuais.
Começando pelos relatos de Aloysio Biondi sobre as privatizações, passando pelo mensalão tucano e aLista de Furnas, chegando à Privataria Tucana e ao propinoduto da Siemens e da Alstom, finalmente emerge o cenário da atuação do PSDB naquela esquina onde a política se encontra com os grandes negócios, se hoje em dia é possível discernir entre os dois.
Pelo acúmulo de informações no mínimo contrangedoras para Daniel Dantas, dono do Opportunity, o livro de Rubens Valente pode ser visto como um petardo contra o banqueiro.
Mais que isso, no entanto, é um raio xis dos bastidores da política brasileira.
Se, de um lado, reforça parte do conteúdo do best seller A Privataria Tucana, de Amaury Ribeiro Jr., de outro demonstra que alguns petistas se entregaram a Dantas tanto quanto, anteriormente, outros já haviam se entregue ao publicitário Marcos Valério, “herdado” de um esquema originalmente montado pelo PSDB. O poder corrompe.
A certa altura, Valente faz uma série de perguntas, a partir do conteúdo de mensagens que a Polícia Federal apreendeu na casa do lobista Roberto Amaral, contratado pelo banqueiro:
O conjunto dos e-mails trocados entre Dantas e Amaral contém diversos pontos enigmáticos e perturbadores. Que “envolvimento” seria aquele relativo a Dantas que Amaral teve de relatar a [José] Serra e FHC, o que foi capaz de deixá-los sem ter o que dizer? Por que Dantas, segundo Amaral, não é apenas um simples credor, mas “um grande credor”? Por que a simples menção ao banco Matrix poderia ser considerada, pelo Planalto, uma “chantagem”? O que seriam os “três DL”, sobre os quais Serra não teria conhecimento? [...] O Banco Central foi mobilizado pelo Planalto para impedir que a lista do fundo [Opportunity] nas ilhas Cayman viesse para o Brasil? Por que Dantas afirmou estar “malfadado” porque teve de “proteger” [Andrea] Matarazzo, FHC, “ou pelo menos quem os cerca”?
Andrea Matarazzo, um tucano de alta plumagem, nas últimas décadas atuou em todas as esferas do Executivo e hoje é vereador em São Paulo. A lista com os residentes no Brasil que estariam impedidos legalmente de serem cotistas do Opportunity Fund nas ilhas Cayman nunca foi divulgada. Poderia incriminar políticos ou apenas ameaçava os negócios de Daniel Dantas? As iniciais DL que aparecem depois do número três provavelmente se referem a dólares — duvido que sejam apenas 3 dólares.
As perguntas que Rubens Valente não conseguiu responder completamente dão uma pista do quanto o repórter avançou durante as investigações que fez ou acompanhou.
Quem tinha a obrigação legal de respondê-las? O próprio autor diz:
Amaral, Dantas, FHC, Serra, [Carlos Henrique Ferreira] Braga, [Milton] Temer, Armínio [Fraga], [Gilmar] Mendes, [Andrea] Matarazzo e todos os outros citados nas mensagens nunca foram interrogados sobre esses pontos nem na PF nem no Judiciário, pois todos os e-mails permaneceram sob os cuidados sigilosos do então procurador-geral da República Roberto Gurgel no prédio de vidros espelhados da PGR em Brasília.
Em outras palavras, se faltava um prego no caixão da credibilidade de Roberto Gurgel, Rubens Valente acaba de providenciá-lo: o procurador ficou quatro anos sentado sobre as provas e depois se aposentou.
O livro também traz embutido um prego dedicado a Gilmar Mendes, o ministro do Supremo Tribunal Federal.
Em novembro de 2001 Daniel Dantas escreveu uma mensagem ao lobista Amaral pouco depois de se encontrar com o então presidente Fernando Henrique Cardoso.
Eu pedi à ‘pessoa’ apenas uma coisa, a entrada de Gilmar para deslocar as cuas [provavelmente quis digitar "causas"] para a Justiça Federal. Segui seu conselho de nunca pedir muitas [coisas] para evitar de ser atendido na mais fácil e normalmente menos útil.
Numa outra mensagem, também escrita por Dantas mas para outro destinatário, ficou claro que o Gilmar a que se referia o banqueiro era mesmo o agora ministro do STF:
Está sendo cogitada uma mudança geral na Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações]. Seria conveniente manter e se possível promover o procurador-geral Antônio Bedran, que obedece a Gilmar Mendes (Advogado-Geral da União). Ele tem ficado do lado de Gilmar que tem nos ajudado a levar o assunto para a Justiça Federal.
Em 2008*, Daniel Dantas recebeu de Mendes dois habeas corpus em tempo recorde depois da Operação Satiagraha, na qual foi preso acusado entre outras coisas de tentar corromper policiais federais.
É preciso dizer mais alguma coisa?
O livro de Rubens Valente deixou aberta, para outros repórteres investigativos, a estrada que conduz aos detalhes das relações nebulosas entre Dantas e os barões da mídia brasileira.
Faltou explicar, por exemplo, como é que o banqueiro conseguiu a dedicação de uma repórter da Folha de S. Paulo à tarefa que poderia ser descrita como “assassinato de caráter” de uma juíza carioca que tomou decisões contrárias aos interesses do banqueiro.
Valente trata do assunto de forma geral, mas sem aprofundá-lo.
De qualquer forma, o conjunto da obra é imperdível.
Operação Banqueiro é lançamento da Geração Editorial, com a qual este site não tem e nunca teve qualquer envolvimento comercial.
*Obrigado ao leitor Leo V pela correção.
(Luiz Carlos Azenha)
Nenhum comentário:
Postar um comentário