Jorge Paz Amorim

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Sou Jorge Amorim, Combatente contra a viralatice direitista que assola o país há quinhentos anos.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Guantânamo é em São Paulo

Piero Locatelli


Andressa é levada por policiais durante o protesto

O jornalista Thiago Carvalho Frias, 31 anos, estava caído no meio da rua Cristiano Viana, zona oeste de São Paulo, quando policiais militares o cercaram e depois o arrastaram. Ele gritava que sua perna doía muito e não conseguia andar, mas um PM respondia alto enquanto o levava: “não consegue andar o quê rapaz, levanta!” Pouco antes, Thiago havia ficado para trás da maioria dos manifestantes. Foi quando, conta ele, foi atingido nas costas pelos policiais e caiu no chão. Era terça-feira 30 de julho, durante a manifestação contra os governadores Geraldo Alckmin, de São Paulo, e Sergio Cabral, do Rio.

Três manifestantes viram o que acontecia com Thiago, após se perderem do grupo que seguia pela avenida Rebouças, na zona oeste da cidade. “Houve uma comoção, e a gente começou a chegar perto na intenção de ajudá-lo. Aí algumas motos da Polícia Militar pararam a gente e pediram para ir para a parede, gritando” conta Nicolas Gomes de Deus, designer gráfico de 19 anos. Junto com dois amigos, a operadora de telemarketing Andressa dos Santos e o estudante Bruno Mendes, ambos de 19 anos, Nicolas foi levado pela Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar).

O trio foi colocado na parede em que Francisco de Campos Lopes, estudante de 20 anos, já estava detido. “Eu estava descendo a Rebouças pela calçada, aí os policias da Rota disseram para eu deitar no chão. Quando eu estava no chão, eles começaram a bater com o cassetete e depois me levaram.”

Os cinco, levados pela Rota naquele dia, ficaram presos por três noites, até o final do dia na sexta-feira 2 de agosto. Eles tiveram menos sorte que os outros quinze manifestantes detidos no dia - levados por outros PMs, foram soltos na mesma noite. Os presos dizem que não faziam parte de movimentos sociais e não tinham participado do Black Bloc. Em entrevista a CartaCapital, eles contaram como foram os dias que ficaram presos por protestar.

“Por que estamos presos?”

Os cinco contam que só descobriram o motivo da prisão, e que haviam sido presos, duas horas após terem sido levados para o 14º Distrito Policial. “Um pouco antes dos advogados entrarem, um policial civil avisou que a gente estava preso. Foi o primeiro choque: sabíamos das prisões nas outras manifestações, mas até então estávamos preocupados com que horas íamos sair, se íamos pegar o metrô aberto, esse tipo de coisa,” lembra Thiago.

As acusações só foram descobertas ao prestar depoimento para a Polícia Civil. “Eu perguntei do que a gente estava se defendendo, como a gente ia elaborar o depoimento sem saber? E aí a gente percebeu que nem o escrivão sabia por que tinham nos levado, já que ele virou para o PM e perguntou do que estávamos sendo acusados,” conta Nicolas.

Mesmo tendo sido presos em três momentos diferentes, foram acusados de formação de quadrilha. Com sotaque pernambucano, Bruno, que passava férias em São Paulo, diz ter sofrido preconceito. “Perguntaram endereço. Aí quando eu comecei a falar, um cara da Rota disse ´fala direito, seu analfabeto!´,” lembra. Ele conta que já tinha sofrido preconceito dos PMs da Rota por causa da sua origem. “Perguntavam: `por que vocês não fazem isso na quebrada para dar um pau em vocês?` Queriam que a gente respondesse alguma coisa para eles alegarem contra nós.”

Cela suja e escura

A partir dali, os quatro homens seguiram para o 91º DP, também na zona oeste, onde fizeram o primeiro exame de corpo delito. “Falei que estava machucado e o médico nem levantou o olho,” lembra Francisco. Separada, Andressa também tinha sido levada para lá, onde conta ter ficado nua na frente de homens no Instituto Médico Legal.

No meio da madrugada, depois dos exames, foram colocados em uma cela sem limpeza e iluminação, “fedendo a mofo”, sem camas e com cobertores imundos. No chão, restos de comida estavam apodrecendo e galões, dizem, pareciam conter urina. “Ninguém tentou limpar aquilo ali durante uns três meses, pelo menos. Era um aparato medieval, as pessoas lá eram tratadas como lixo,” lembra Nicolas. Eles foram colocados com dois outros detentos que diziam ter sido levados por conta de um tiroteio com a polícia.

Após passar a noite em claro no local, foram transferidos para o CDP (Centro de Detenção Provisória) de Pinheiros.

"Choque de realidade"

“Quando chegamos no CDP nos deram um choque de realidade, nos trataram bem mal,” lembra Nicolas. As suas cuecas e meias tiveram de ser retiradas, e nunca foram devolvidas. Piercings e brincos também, sob a ameaça de que, caso não fossem retirados logo, isso seria feito a força. “Diziam que a gente estava fodido na nossa vida, nunca mais ia conseguir trabalho,” lembra Francisco.

Eles contam que foram também obrigados a cortar o cabelo. Um detento que fazia trabalhos na cadeia era o responsável. “Ele brincou que eu ia ser torturado, ser levado para a casa de tortura tomar choque. Eu fiquei branco, cheguei na cela acreditando,” lembra Francisco. A prática, conta Nicolas, também foi feita com outros deles. “Ele dizia que viu na televisão que tinham achado droga com a gente, que tinham achado uma arma cromada com a menina”.

Eles foram transferidos para uma cela pequena com 17 pessoas. Lá, tiveram que dividir duas marmitas entre todos sem o uso de talheres. Depois, foram para uma cela onde seguiram sozinhos até a noite de quinta-feira 1º, quando ganharam a companhia de outro detento. Ele era o responsável por explicar a eles como funcionava a prisão e quais regras deveriam seguir.

“Descobri que seria colocado em uma cela diferente, porque sou gay. Ele me contou como seria toda a dinâmica no meu caso, o que eles chamam de ´envolvido´. Se existe um grau abaixo na hierarquia carcerária, eu estaria nele,” conta Thiago. Ele descobriu que não poderia passar nada para outro prisioneiro, fosse cigarro, comida ou lápis. “Se eu fizesse isso para qualquer prisioneiro, eu apanharia, o prisioneiro apanharia e seria considerado envolvido, teria que se mudar para essa cela. É basicamente uma situação de contágio”, lembra. “A única coisa que eu poderia fazer é estar disponível para o que eles quisessem e com a precariedade de proteção que têm.”

“Presas me adotaram”

Única melhor do grupo, Andressa foi levada em separado. Acabou no CDP de Franco da Rocha, região metropolitana de São Paulo, apesar de sua família e os advogados terem sido informados que ela seria levada para Santana.

Ao chegar lá, conta ter sido hostilizada por policiais que queriam saber “quem é a manifestante”. Antes de ser levada para a cela, foi revistada pelas PMs. “Você tem que se abrir todinha para a policial olhar dentro de você, isso é super complicado. Aí elas zoaram porque a gente estava sem tomar banho. Ficavam falando: ‘vocês estão fedendo, fedendo muito. Vai tomar banho agora!” A condição era que, sem banho, não ganhariam comida. A água era gelada, e ela não tinha recebido toalha ou sabonete, tendo que se enxugar com a própria roupa.

Andressa diz que o tratamento das companheiras de cela era distinto do dado pelas policiais. “Quando eu cheguei lá dentro, as presas me trataram muito bem, elas me adotaram praticamente, são uns amores,” diz Andressa. Haviam 23 pessoas na cela, que era mantida limpa. Ela conta ter dormido em um colchão fino colocado no chão com um “cobertor de mendigo”.

“Eu só ouvia as histórias delas, quando eu falei que era da manifestação, falaram ´então quando você sair daqui, coloca a boca no mundo e fala tudo que a gente passa aqui dentro´. Elas passam fome e frio. Não têm blusa, não têm nada. E elas me contaram que umas semanas atrás teve uma senhora de idade que faleceu por negligência médica. É o esculacho mesmo, não tá nem aí. É uma realidade bem cruel.”

Todos foram soltos na sexta-feira 2 à noite, após o pagamento de uma fiança de três salários mínimos - dois mil reais cada. A acusação de formação de quadrilha foi retirada, mas eles ainda respondem por desacato, dano qualificado e resistência.

(Carta Capital)

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