5 Câmeras Quebradas mostra como a convivência entre Israel e
Palestina é impossível – e, ao mesmo tempo, fala de esperança, justiça e
perseverança. Emad Burnat, um pequeno proprietário de terras em Bilin,
ganhou uma filmadora meia-boca em 2005, quando nasceu seu quarto filho,
Gibreel. No mesmo ano, colonos israelenses começaram a construir
assentamentos na área, construindo uma cerca. Os invasores começam a
tentar expulsar os habitantes. Destroem suas oliveiras, seu ganha-pão.
Protestos passam a ocorrer semanalmente.
Emad registrou tudo: as bombas de gás lacrimogêneo, tiros de balas de
borracha, prisões, atrocidades. No meio tempo, filmou o crescimento de
Gibreel e suas reações diante daquele mundo.
Em 2007, uma corte israelense determinou a derrubada da cerca – o que
só iria ocorrer quatro anos depois. Emad juntara centenas de horas de
imagens. Seu amigo israelense Guy Davidi, cineasta, ativista e
co-diretor do documentário, deu um fio condutor, escreveu a narração em
off e sugeriu a abordagem: contar a história dos confrontos do ponto de
vista de Emad, dividida em capítulos, cada um deles ilustrado pelo que
as câmeras do palestino capturaram antes de ser destruídas.
O resultado é assombrosamente lindo e emocionante. Jornalismo cru,
sem análise ou proselitismo, apenas a crônica de uma terra disputada por
dois vizinhos – um armado de paus e pedras, outro de canhões, jipes,
fuzis e granadas.
Emad Burnat nunca teve aulas de cinema. Não precisou. Além de uma
habilidade inata e da intuição, ele foi para a linha de frente,
desafiando a autoridade com sua filmadora e seu discurso de que era
“jornalista” e tinha “autorização para trabalhar”. Não perde a convicção
quando o exército passa a entrar na aldeia à noite e a prender
crianças. Permanece ao lado dos dois amigos, o fanfarrão Adeeb e o
grandalhão El-Phil, quando eles são detidos e, mais tarde, quando o pior
acontece. Não recua na hora em que a mulher, Soraya, pede que ele
largue tudo porque ela não aguenta mais viver com medo. (Soraya foi
criada no Brasil e, a certa altura, fala em português com o marido. O
próprio Emad passou um tempo aqui).
A visão filosófica do conflito faz com que Emad não perca a cabeça.
Ele é posto em prisão domiciliar – e leva a câmera. Ele vê seu pai e sua
mãe desesperados diante da detenção de seu irmão, tentando parar um
jipe com o corpo. Ele testemunha um tiro à queima-roupa na perna de um
manifestante que já estava dominado. É como se a câmera se o protegesse,
ele diz (o que, naturalmente, não é verdade e tem suas consequências).
Numa situação tão sem saída, Emad não procura a aliança com
terroristas ou faz um curso para virar homem bomba. Ao invés disso, a
cada câmera destruída, ele adquire outra. É o que dá sentido à sua
vida. É a sua maneira de proteger sua vila e sua família.
5 Câmeras Quebradas ganhou vários prêmios e está indicado para o Oscar de documentário. Deveria ganhar. Deveria. Eu achava que o bonito Searching for Surgarman
era imbatível, até assistir o que Emad e Davidi fizeram. Com
simplicidade e poucos recursos, com talento, urgência e coragem, eles
realizaram um épico. “Se você for ferido, vai sempre se lembrar da sua
ferida, mesmo depois de ela se curar. Se você se machucar de novo e de
novo… você esquece as suas cicatrizes”, diz Emad. “Mas a câmera se
recorda, e então eu filmo para me curar”.
(Diário do Centro do Mundo)


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