"[O mensalão] ameaça o sistema político. (...) [A transferência de
recursos] confirma-se pela compra de apoio político (...), não interessa
se o destino do dinheiro seja para gastos de campanha ou gastos
pessoais. (...) Os partidos participaram de votações importantes,
emprestando apoio [a quem os pagou]".
Rosa Weber, ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), em seu voto no julgamento de José Dirceu e José Genoíno.
Faltando
poucas semanas para o 1º turno das eleições municipais deste ano, os
olhos do país dividiram-se entre a complexa trama de Avenida Brasil e
outra, bem mais simples, do julgamento do “maior caso de corrupção” da
história do país. Ao contrário das nuances e dúvidas do roteiro de João
Emanuel Carneiro, os papéis de mocinho e bandido estavam bem mais
delineados na segunda trama. De um lado o “herói de toga preta” e
“menino pobre que mudou o Brasil”. De outro, o “chefe de quadrilha”, obstinado a realizar um “golpe [por um] projeto de poder
quadrienalmente quadruplicado”. O desfecho apoteótico viria na
condenação que “lava a alma de todos os brasileiros vítimas dos
corruptos”, muda nossa história e permite que o Brasil volte “a
saber distinguir o certo do errado”.
Pois nos mesmos dias, do
desenrolar das tramas de Delúbio e Carminha, a poucos metros do STF, o
Congresso Nacional votava mais uma tentativa de acordo sobre o Código
Florestal. Por trás das cortinas, um enredo bem semelhante ao que
estaria sendo condenado exemplarmente do outro lado da rua. Dezenas de
parlamentares, que conquistaram o espaço de representação na Câmara dos
Deputados com apoio financeiro de empresas do agronegócio, propunham a
criação de diferentes tamanhos para as Áreas de Proteção Permanente
(APP) em beiras de rio. A medida, que reduziria as chamadas APPs
ripárias no Brasil e abriria espaço para o aumento da produção do
agronegócio acabou vetada pela presidenta Dilma Rousseff.
No caso
do “mensalão” mais famoso, o empresário Marcos Valério de Souza, dono
da agência de publicidade SMP&B, e os gestores do Banco Rural haviam
sido condenados por fazer transferências de recursos a partidos
políticos objetivando ganhos em decisões do governo. Também o empresário
Daniel Dantas agora está sendo julgado pelo mesmo caso. Como
responsável, na época, pelas empresas Brasil Telecom, Telemig Celular e
Amazônia Celular, Dantas teria contratado os serviços de publicidade da
SMP&B, para repassar recursos ao PT como forma de obter apoio do
governo federal.
E o que buscavam as empresas do agronegócio
que, em 2010, doaram dinheiro a campanhas de parlamentares que votariam o
Código Florestal em seus mandatos? E os parlamentares, neste caso, não
atuaram “emprestando apoio político” a quem os financiou?
Somente
o grupo JBS financiou, com mais de R$ 10 milhões, 38 dos deputados que
votaram pela redução das APPs de beira de rio, como exemplifica o livro
Partido da Terra, do jornalista Alceu Castilho. Mas não só a maior
empresa de processamento de carne do mundo buscou apoio parlamentar no
Congresso. Somente na lista das 10 maiores empresas do agronegócio em
2010, feita pela revista Exame, também a Bunge destinou R$ 1,1
milhão ao financiamento de deputados federais, assim como a CoperSucar,
com 450 mil. Quando ocorreu a campanha eleitoral, em 2010, já estava em
discussão no Congresso o novo Código Florestal.
Para evitar este e
outros tipos de "mensalões", organizações da sociedade civil defendem a
aprovação pelo Congresso Nacional de uma reforma política que proíba o
financiamento privado de campanhas eleitorais. É o que pede, por
exemplo, José Antonio Moroni, do Instituto de Estudos Socioeconômicos
(Inesc). Ele é um dos coordenadores da Plataforma dos Movimentos
Sociais pela Reforma do Sistema Político que mantém uma lista de
abaixo-assinado na internet visando atingir 1,5 milhão de assinaturas
para embasar um Projeto de Lei (PL) de iniciativa popular.
Enquanto
isso, a votação do PL de reforma política proposto pelo deputado
Henrique Fontana (PT-RS), que inclui a proposta de financiamento público
integral, segue sendo obstruída. O relatório de Fontana é
resultado do trabalho da Comissão Especial, criada em fevereiro de 2011,
que ouviu juristas e representantes dos movimentos sociais. O texto, no
entanto, não foi votado por obstrução. Entre outros fatores, pela
extinção do financiamento privado de campanha.
“O abuso do poder
econômico termina escolhendo candidatos muito mais pela capacidade de
arrecadação do que pelas ideias que eles defendem, criando uma
democracia de desiguais”, avalia o deputado Henrique Fontana (PT-RS), em
entrevista ao jornal Brasil de Fato. “O que corrige essas questões
é o financiamento público exclusivo, com teto de gastos e forte
diminuição dos custos de campanha”.
(Daniel Merli- Carta Maior)
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