por MARCO MAIA, na Folha/Viomundo
O debate sobre a cassação dos mandatos dos deputados condenados na
Ação Penal 470, que acontece no Supremo Tribunal Federal (STF), traz uma
séria ameaça à relação harmônica entre os Poderes Legislativo e
Judiciário e, portanto, pode dar início a uma grave crise institucional.
Isso porque a decisão do STF pode avançar sobre prerrogativas
constitucionais de competência exclusiva do Legislativo e, se assim
acontecer, podemos estar diante de um impasse sem precedentes na
história recente da política nacional.
O fato é que nossa Constituição é explícita em seu artigo 55, que
trata da perda de mandato de deputado ou senador em caso destes sofrerem
condenação criminal (item VI, parágrafo 2º): “A perda do mandato será
decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto
secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de
partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla
defesa”.
O mesmo artigo estabelece, ainda, a necessidade de a condenação
criminal ter sentença transitada em julgado para que tal processo seja
deflagrado.
Mesmo que paire alguma dúvida sobre tal enunciado, os registros
taquigráficos dos debates que envolveram a redação do artigo 55 pelos
constituintes, em março de 1988, são esclarecedores da sua vontade
originária. Coube ao então deputado constituinte Nelson Jobim a defesa
da emenda do também constituinte Antero de Barros: “Visa à emenda (…)
fazer com que a competência para a perda do mandato, na hipótese de
condenação criminal ou ação popular, seja do plenário da Câmara ou do
Senado”. E, mais adiante, conclui: “(…) e não teríamos uma imediatez
entre a condenação e a perda do mandato em face da competência que está
contida no projeto”. A emenda foi aprovada por 407 constituintes, entre
eles Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, Aécio Neves, Luiz Inácio
Lula da Silva, Ibsen Pinheiro, Delfim Netto, Bernardo Cabral,
demonstrando a pluralidade do debate empreendido naquele momento.
Portanto, parece evidente que, caso o STF determine a imediata
cassação dos deputados condenados na Ação Penal 470, estaremos diante de
um impasse institucional.
Primeiro, porque não é de competência do Judiciário decidir sobre a
perda de mandatos (aliás, a última vez que o STF cassou o mandato de um
parlamentar foi durante o período de exceção, nos sombrios anos entre as
décadas de 1960 e 1970).
Segundo, porque não há sequer acórdão publicado do julgamento em tela para que se possa dar início ao processo no Parlamento.
E, terceiro, porque é necessário reafirmar que a vontade do
Constituinte foi a de assegurar que a cassação de um mandato popular,
legitimamente eleito pelo sufrágio universal, somente pode ser efetivada
por quem tem igual mandato popular.
Assim como é dever do Parlamento atuar com independência e autonomia,
também é sua tarefa proteger suas prerrogativas constitucionais a fim
de resguardar relações democráticas entre os Poderes. Qualquer
subjugação do Legislativo tem o mesmo significado de um atentado contra a
democracia, e isso é inaceitável. Espera-se que a decisão da Corte
Máxima, à luz da Constituição, contribua para o fortalecimento da nossa
jovem e emergente democracia.
MARCO MAIA, 46, deputado federal pelo PT-RS, é o presidente da Câmara dos Deputados
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