"O senhor Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à
Presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar
posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de
governar."
Carlos Lacerda, em 1º. De junho de 1950, no jornal Tribuna da Imprensa.
Visto de longe (apesar da imediatez da internet, mas ela também distancia) o Brasil continua parecendo um desajuste temporal.
Antigamente,
quando o Brasil era o país do futuro, ele parecia um túnel do tempo,
rumando do passado (atraso) para a modernidade (progresso) mais ou menos
conservadora, conforme o gosto do freguês. Ou dos donos da loja, do
futuro, do poder e do Brasil. Houve aquele intervalo de um certo
período milagroso da ditadura, quando esta apregoava: “agora, o futuro
chegou”. E o futuro não era um sonho, era um pesadelo.
Agora as
coisas estão um pouco diferentes. De algum modo, aos trancos e
barrancos, o futuro, de novo, chegou. Mas desta vez chegou mesmo. O
Brasil continua com suas desigualdades, com seus achaques, com seus
muros da vergonha social. Mas de algum modo está avançando em melhorar a
vida de seus cidadãos, em todos os sentidos. Enquanto em boa parte do
resto do mundo – inclusive aqui na Europa “desenvolvida” – as sociedades
marcham em sentido contrário.
Mas no Brasil há um lastro chamado
direita. Que não aceita, inclusive, esse nome. Talvez seu problema
começa aí: um problema de identidade, de nascença, de família, sei lá. O
mote da direita brasileira continua sendo aquela famosa frase de Carlos
Lacerda sobre Getúlio Vargas, proferida em 1950.
Lacerda
procurava se antecipar ao que ia acontecer: a inevitável eleição de
Vargas. Eleito este, a UDN tentou, primeiro, reverter o resultado no
tapetão do Tribunal, argumentando que Vargas não tivera maioria
absoluta. Como a Constituição não exigia isso, não adiantou. Continuou
tentando derrubá-lo, instalou um poder paralelo na Base Aérea do Galeão e
outro na mídia, até seu suicídio em 1954.
O suicídio,
aparentemente, teve um efeito paradoxal. Deixou um vácuo de herança para
história do Brasil. O resultado foi que, atavicamente, a direita
continuou tentando derrubar Vargas. Continua, de certo modo, tentando
até hoje. Em 61, por detrás da imagem de Jango, ainda pairava o fantasma
daquele homem/esfinge. Em 64 idem, atrás de Brizola. Houve a famosa
outra frase de FHC, depois de sua primeira eleição, sobre “o fim da era
Vargas”.
Agora a direita transfere essa tara (no sentido de peso)
histórica para Lula. Inconformada, olha no retrovisor e tenta ainda
anular a eleição de 2002.
Reverter a história. Faze-la
enquadrar-se na sua alucinação de que é “moderna” no país do “atraso”,
quando ela dá mostras seguidas de senilidade histórica. Ela, a direita, é
o atraso, o retardo, e peso bruto que quer impedir o vôo do balão – o
papagaio que seja – chamado Brasil.
Isso se consubstanciou nesse
erro crasso da direita midiática e do candidato Serra em transformar o
julgamento do processo 470, no STF, no grande trunfo político da eleição
de 2012. Houe, em primeiro lugar, jum erro de timing. O tema do chamado
“mensalão” tinha tudo para não se tornar relevante numa eleição de
caráter municipal. Mas... havia um outro problema por trás desta
escolha. É que a direita não tinha outra coisa a dizer nem propor.
Mergulhada na crise histórica de identidade que se aprofunda, e no
esfrangalhamento de suas cúpulas divididas pela presença de um autêntico
“peso morto” como centroavante de seu time – o candidato José Serra – a
direita deixou-se levar pela auto-imagem no espelho – no seu espelho, é
claro: como na década de 50, a campeã da “moralidade pública” contra a
“lama” – “mar de lama”, de Vargas.
Não funcionou. O disco ficou
girando sozinho, sem agulha para tocar. Em S. Paulo, o que se viu, por
exemplo, foi uma curiosa versão daquela teoria da “pedra n’água”, usada
como a “inelutável” explicação para a “inevitável” derrota de Lula em
2006. Primeiro ela atingiria as classes e regiões mais “esclarecidas”,
para se espalhar em círculos concêntricos pelas classes e regiões “mais
atrasadas”. Em S. Paulo, afastados Russomano e Chalita do segundo turno,
o que se viu foi a “pedra” Haddad se firmar na periferia da cidade e
comer pelas bordas, ou até pelo núcleo mesmo, como no bairro de Santa
Ifigência, a candidatura de José Serra onde esta deveria ter seus
redutos.
Agora, a direita, na mídia e fora dela, às vezes parte
para a tentativa de reverter o resultado histórico, tentando construir
uma imagem de “empate técnico”, para dizer o mínimo, onde houve uma
fragorosa derrota sua. É claro que o PT tem derrotas a analisar, como em
Manaus, e Belo Horizonte, para a direita, além de outras. Mas deve
analisar sobretudo o significado do crescimento de seu – afinal –
aliado, o PSB, como em Recife e o enredamento nas próprias pernas, como
em Porto Alegre, além de outros partidos terem também análises a fazer.
Mas isso seria um assunto para outro artigo.
Neste, fica o
registro de que – apesar de minhas inclinações e preferências – acho que
faria muito bem ao Brasil uma direita mais moderna e up to date com o
mundo que ela acha que está em contato, na Europa, nos Estados Unidos ou
no Japão. Há tantos exemplos que ela poderia seguir, aqui na Alemanha,
por exemplo, da vetusta CDU de Angela Merkel à direção do SPD alemão,
uma direção sem dúvida de centro-direita, procurando alfaiates para um
corte tipo século XXI.
Ao invés de ficar aferrada a seu
ideário-anos-cinqüenta, não deve se candidatar, não deve ser eleito, não
deve governar. Mesmo que seja 50 anos depois, ou mais.
Talvez o
fantasma de que a direita deva se livrar não seja essa mescla de Lula e
Vargas, mas o de Carlos Lacerda. Que, pelo menos, era um escriba e um
orador brilhante. Coisa que hoje a direita carece.
(Flávio Aguiar- correspondente do site Carta Maior na Alemanha)
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