Deu no Blog Balaio do Kotscho
Alguns leitores pedem minha versão sobre o tal almoço do então candidato Lula no jornal Folha de S. Paulo, durante a campanha de 2002, que gerou tanta polêmica nos últimos dias.
Como eu estava lá, na condição de assessor de imprensa de Lula, mas já se passaram oito anos e minha memória não é das mais privilegiadas, vou mais uma vez recorrer ao meu livro “Do Golpe ao Planalto _ Uma vida de repórter”, da Companhia das Letras. O episódio está relatado à página 225:
O único problema mais sério que tivemos no relacionamento com a imprensa ao longo da campanha aconteceu por culpa minha. Lula já havia mantido encontros e participado de almoços com os dirigentes dos principais meios de comunicação, mas resistia a atender ao convite da Folha para o tradicional almoço com os diretores, editores e repórteres especiais.
Quase toda semana, “seu” Frias ou alguém a seu pedido repetia o convite, que eu voltava a levar a Lula. Este alegava que noutras ocasiões tinha ficado contratriado da maneira pouco cortês como fora tratado no jornal. Tanto insisti, que ele acabou me autorizando a marcar o almoço. Impôs, no entanto, que o número de participantrs fosse reduzido, para que pudesse conversar melhor com “seu” Frias.
Em razão de algum mal-estar ocorrido em almoços anteriores, dos quais não participei, o clima já não pareceu muito amigável desde o momento em que “seu” Frias recebeu Lula e José Alencar. Otavio Frias Filho ficou calado, enquanto Lula não parava de falar dos seus planos para o país e da importância de ter um vice como Alencar.
Assim que os comensais sentaram à mesa, Frias Filho disparou a primeira pergunta: se Lula se sentia em condições de governar o país, mesmo sem ter se preparado para isso, não sabendo nem falar inglês. O candidato fez uma expressão de incredulidade, olhou para mim como quem diz: “E eu tinha que ouvir isso?”, engoliu em seco e deu uma resposta até tranquila diante daquela situação constragedora.
Como se tivessem sido ensaiadas, as perguntas seguiram no mesmo tom hostil ao convidado, até que, já quase na hora em que seria servida a sobremesa, alguém quis saber como ele se sentia ao aceitar uma aliança com Paulo Maluf. O argumento era que, se o PL apoiava Maluf na eleição para governador de São Paulo, o candidato do PT a presidente também estaria se aliando ao político que mais combatera durante toda a história do partido.
Não havia, porém, nenhuma aliança em São Paulo entre o PP e o PT, que disputava a mesma eleição tendo como candidato o deputado federal José Genoino. Foi a gota d´água. Lula não respondeu; levantou-se, dirigiu-se a “seu” Frias e comunicou: “O senhor me desculpe, mas eu não posso mais ficar aqui. Vou embora. Não posso aceitar isso em nome da minha dignidade”.
Ficou todo mundo paralisado. “Seu” Frias levantou-se também. Antes de sair, Lula ainda disse a Otavinho, o único que permaneceu na sala: “Eu não tenho culpa se você está nervoso porque o teu candidato vai mal nas pesquisas”. Para ele, a Folha estava apoiando José Serra. Pegando no braço do candidato, “seu” Frias o acompanhou até o elevador e depois até o carro, no estacionamento, com os outros todos caminhando atrás. “Nunca tinha acontecido isso antes na nossa casa”, lamentou.
Como fiz com outras pessoas citadas no livro, mandei os originais com este trecho para Otávio Frias Filho. Caso discordasse da minha versão, poderia dar a dele que eu publicaria no livro. Por não ter recebido outra versão, entendi que ele estava de acordo.
Um comentário:
Muito oportuna a lembrança, inclusive com a ressalva de que todos sabiam que Kotscho ia relatar e silenciaram, assim fica mais evidente que o colunista da Folha, Clóvis Rossi, mentiu descaradamente no artigo publicado ontem, em defesa do patrão Otavinho, aliás, como já havia mentido no caso trágico da morte do brasileiro Jean Charles de Menezes, no metrô de Londres, fuzilado pela polícia local, confundido com um terrorista.
Rossi escreveu que aquela morte tinha as impressões digitais de Lula, pois Jean Charles estava na capital inglesa fugido do desemprego que por aqui grassava.
De fato, Menezes foi para Londres a procura de trabalho, só que três anos antes de Lula chegar à Presidência da República.
Hoje, os mais de treze milhões de postos de trabalho criados pelo governo Lula provavelmente evitaram que muitos outros jeans charles experimentassem o risco daquela tragédia, ou às humilhações que o preconceito europeu e estadunidense impõe a imigrantes terceiromundistas. Infelizmente, fato sem a menor importância para Clóvis, que jamais gastaria uma linha da sua pachorrenta coluna com um nordestino brutalmente assassinado pela civilizada polícia inglesa, se não fosse para usar como "gancho" para esculhambar com outro nordestino que, em vez de seguir seu destino de alvo das balas da polícia daqui ou alhures, ousou "usurpar" o mais alto posto da nação brasileira aos bem nascidos do Morumbi. E isso nem Clóvis nem Otavinho engolem.
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