“Os burgueses não moram na favela/ Estão nas empresas explorando a galera/ E os proletários, o salário é uma miséria/ Essa é a mais-valia, vamos acabar com ela”, dizem os versos da paródia “Karl Marx é baile de favela”, que resgata temas e análises abordadas em sala de aula.
De acordo com a professora Gabriela Viola, acusada pelo colunista Rodrigo Constantino de promover “doutrinação marxista”, ela estava incentivando os estudantes a compreender melhor os teóricos da sociologia, como Émile Durkheim, Karl Marx, Erving Goffman, entre outros autores previstos nas diretrizes curriculares. “Íamos começar a estudar Max Weber”, conta.
Após a repercussão do vídeo, Viola foi afastada pela diretoria do colégio, que alegou exposição dos alunos e “difamação” da instituição. Em resposta, dezenas de estudantes se manifestaram pela volta da professora e iniciaram a campanha “#VoltaGabi”. “O que ela fez de errado em ensinar a realidade para nós?”, escreveu uma aluna em rede social.
Na última quarta-feira (6), os estudantes organizaram um protesto no colégio, imprimiram cópias da letra da paródia e cantaram durante o intervalo. Segundo informações de um dos organizadores, que não quis se identificar por medo de represália, participaram aproximadamente 180 alunos. “Começamos a gravar a manifestação, os alunos gritavam ‘volta Gabi’ e os funcionários do colégio quiseram tomar os celulares, mandando todo mundo apagar as imagens. Logo depois de uma confusão com um estudante que discordava da ação, a diretoria chamou a patrulha e vieram três viaturas da Rotam. Entram no colégio com escopeta e tudo”, descreve.
“Lei da Mordaça”
O caso da professora Gabriela Viola fomenta o debate sobre a implementação da proposta “Escola Sem Partido”, que inspira atualmente três projetos de lei na Câmara dos Deputados. Um deles, o PL 1411/2015, apresentado pelo deputado Rogério Marinho (PSDB/RN), tipifica o crime de “assédio ideológico” em sala de aula, prevendo penas de até um ano de prisão, além de multas aos professores. Entre as justificativas para a aplicação do programa nas diretrizes e bases do sistema nacional está a de que professores e autores de livros didáticos estariam se aproveitando da “audiência cativa dos alunos” para promover determinadas correntes políticas e ideológicas, contrárias àquilo que é ensinado dentro do ambiente familiar.
Em audiência pública no Senado, realizada na última quarta-feira (6), o ministro interino da Educação, Mendonça Filho, se posicionou contrário aos projetos de lei, alegando que a liberdade de expressão garante o acesso a todas as correntes de pensamento.
Apesar disso, os três projetos de lei- entre eles os PL 861/2015 e PL 867/2015, apresentados pelo deputado Izalci Lucas Ferreira (PSDB-DF)-, continuam incentivando a aplicação do programa “Escola Sem Partido” em 11 estados e em câmaras municipais, como no Rio de Janeiro. No Paraná, a proposta que ficou conhecida como “Lei da Mordaça”, apresentada em outubro de 2015 na Assembleia Legislativa pelo deputado Pastor Gilson de Souza (PSC), líder da bancada evangélica, foi derrubada. O texto previa punição para professores que expressassem suas opiniões políticas, ideológicas e religiosas, e proibia a veiculação de conteúdos sobre questões de gênero em sala.
Na avaliação do doutor em Educação e professor da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), Antônio Fernando Gouvêa da Silva, o “Escola Sem Partido” é uma proposta autoritária, defendida por grupos que também se posicionam politicamente. “Toda a ação humana tem sempre uma intenção. É preciso perceber que não há neutralidade no ato educativo, como não há neutralidade em nenhuma ação humana”, afirma.
Para Gouvêa da Silva, o modelo de educação do “Escola Sem Partido” propõe apenas a formação de pessoas para o mercado de trabalho e não estimula o pensamento crítico dos estudantes. “Uma escola que é apática, passiva ou que muitas vezes estimula preconceitos raciais, sociais ou em relação à questão de gênero, que desqualifica alguns cidadãos em detrimento de outros, essa escola não é sem partido, ela já tem um partido, só que ela não assume o papel político que ela exerce”, questiona.
Polarização política
A hostilidade em relação ao caso de Gabriela Viola e a outros professores do estado pode ser interpretada dentro de um contexto mais amplo, caracterizado pela polarização política associada à intolerância que surge após as eleições de 2014. Essa é a opinião do doutor em Ciência Politica e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Alexsandro Eugenio Pereira. “As reações contra os professores que lecionam Marx mostram os efeitos dessa intolerância sem sentido e sem propósito. Se você tiver oportunidade de coletar depoimentos dos pais, verá como eles associam Marx à doutrinação ideológica e ao PT, como se Marx, socialismo e PT fossem uma coisa só”, comenta.
Segundo Pereira, lecionar Marx nas disciplinas de Sociologia e História nas escolas é tratar de um conteúdo obrigatório, mas que pode ser mal interpretado. “Marx é um teórico importante das Ciências Sociais, mas também um pensador cujas ideias tiveram enorme repercussão no século XX. Suas ideias influenciaram as revoluções socialistas e sua crítica ao capitalismo serve de referência para os movimentos sociais que lutam contra a desigualdade, a exploração do trabalho, a miséria, etc.”, explica.
(Brasil de Fato/ Portal Forum)
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