Dentro, ele inventou um novo jeito de lutar entre os pesos pesados. Dançava como se fosse um peso leve, uma ruptura completa sobre a tradição dos pesos pesados de se arrastarem lentamente no tablado, agarrados um ao outro.
E interrompia a dança para bater duro.
Ali, nas suas próprias palavras, voava como uma borboleta e picava como uma abelha.
Era um mestre na estratégia. Na maior de suas lutas, contra o então invicto e considerado imbatível George Foreman, Ali surpreendeu não apenas o oponente como o mundo todo.
Treinou a região abdominal durante meses para suportar os golpes de Foreman ali. Encostou-se às cordas, protegeu a cabeça com as mãos e provocou Foreman: “Achava que você batia mais forte, George.”
Foreman, depois de alguns assaltos, ficou ao mesmo tempo exausto física e mentalmente. Foi quando Ali, enfim, saiu das cordas para, com um punhado de golpes, derrubar o gigante.
Admiradores de Ali, como Norman Mailer, temiam pela sua vida. Ali já passara dos 30, e não tinha mais a velocidade de antes, e Foreman, campeão invicto, massacrava adversários sobre adversários.
O nocaute em si mostrou a grandeza de alma de Ali. Foreman estava a seus pés, tombando, e Ali estava com um último golpe preparado. Quando notou que Foreman estava batido, recuou os braços e poupou o rival.
Para muitos, foi a maior luta da história do boxe.
Fora dos ringues, Ali foi igualmente portentoso. Nos anos 1960, quando surgiu, foi um protagonista incansável da luta pelos direitos dos negros. Trocou o nome de Cassius Clay — herança da escravatura — pelo de Muhammad Ali.
Foi também militante antiguerra. Recusou-se a lutar no Vietnã, o que lhe custou o título de campeão dos pesados e o afastamento do boxe durante alguns anos, exatamente aqueles que seriam seu apogeu como lutador. “Nunca nenhum vietnamita me chamou de nigger”, explicou.
Retornou enfim em 1971, e desafiou o então campeão Joe Frazier, seu maior rival. Perdeu a primeira das três lutas que travaram. Ganhou as duas seguintes. Todas as três disputas foram, como a contra Foreman, eletrizantes.
No esforço épico de elevar a auto-estima dos negros, Ali louvava a própria beleza. “Sou o homem mais bonito do mundo”, dizia. Mas ele estava elevando, na verdade, a raça negra. Na época, mulheres e homens negros, tratados como gente de segunda classe, alisavam cabelos e clareavam a pele para se parecerem com os brancos.
O orgulho negro deve muito a Muhammad Ali.
Seus últimos anos foram doídos. O homem que voava no ringue se movia com extrema dificuldade por causa de um Parkinson que pode estar associado aos golpes recebidos na cabeça. O formidável conversador mal conseguia terminar uma frase.
Mas bem antes disso ele já deixara sua marca incomparável dentro e fora do ringue.
Este texto é dedicado a meu pai, Emir Nogueira, que me ensinou o que era Muhammad Ali.
(Paulo Nogueira/ DCM)
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