Em vez de mirar sua metralhadora em direção a líderes políticos ou outros donos de jornais, o Estadão alveja trabalhadores do jornalismo, a quem chama de “delinquentes”. Chega a citar no editorial o nome do repórter norte-americano radicado no Brasil Glenn Greenwald, um contundente crítico do golpe parlamentar, apoiado pela imprensa nativa, que arrancou uma presidenta legitimamente eleita do poder. O objetivo do editorial é claro: como fez em 1964, adular e defender com unhas e dentes a “legitimidade” do governo de Michel Temer, que as reportagens, artigos e entrevistas de Greenwald têm colocado sob suspeição perante o mundo dito “civilizado”. Como se falasse em nome do governo, o jornal se mostra preocupado com a tarefa árdua que terá o Itamaraty para limpar a imagem dos golpistas lá fora.
Mais: de maneira covarde, o Estadão lança mão da pérfida estratégia de usar o termo “ativista” para se referir a Greenwald, abrindo uma brecha à sua expulsão do País, já que a lei proíbe a estrangeiros o envolvimento na política nacional. Não custa recordar que, em abril, pouco antes do afastamento da presidenta Dilma Rousseff, a Federação Nacional dos Policiais Federais soltou uma estranha nota "lembrando" aos estrangeiros esta proibição. O jornal parece querer repetir, assim, a insidiosa campanha feita nos anos 1950 contra um jornalista “mal nascido” que ousou desafiar os milionários donos da mídia no Brasil: Samuel Wainer, não por coincidência “acusado” de ser estrangeiro e que teve seu jornal, Última Hora, perseguido até a ruína.
O jornal dos Mesquita também arremeteu contra um colega de Greenwald no site The Intercept, apenas por ter cumprido seu papel como jornalista: “apertou”, como qualquer bom repórter faria, o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA sobre as circunstâncias questionáveis em que se deu o impeachment de Dilma e o apoio do governo de Barack Obama a um possível complô de corruptos para derrubar uma presidente honesta, como ficou explícito após a divulgação de conversas telefônicas dos políticos investigados pela Lava-Jato que arquitetaram o golpe, com o beneplácito da mídia.
Não satisfeito, em outro editorial, Blogueiros chapa branca, o Estadão ataca os blogueiros de esquerda que estiveram reunidos em Belo Horizonte, com a presença da presidenta Dilma. Em um texto que parece escrito não por um editorialista sério, mas por um blogueiro da Veja, o jornal teve a pachorra de escrutinar cada ponto do documento saído do encontro para espinafrá-lo. A diatribe contra os blogueiros deixa patente dois fatos inegáveis: o pouco apreço dos Mesquita pela liberdade de expressão e o incômodo que a mídia alternativa está representando para a meia dúzia de famílias que detém a “grande” imprensa no Brasil e para o golpe que ela apóia. A mídia hegemônica já não é a única voz e nem a mais difundida; por isso vão tentar nos calar.
De forma hilária, o Estadão, que se tornou uma espécie de Assessoria de Comunicação (Ascom) à paisana do governo ilegítimo de Michel Temer, chama os blogueiros de “chapa branca”. Como chapa branca, se somos oposição desde o primeiro minuto do governo provisório? Quem está cotidianamente bajulando Temer são os jornalões, a começar pelo Estadão e por O Globo. “Chapa branca” é quem se posiciona a favor de um governo. Não cabe mais este epíteto aos blogueiros e jornalistas de esquerda, e sim a quem usa inclusive editoriais para puxar o saco descaradamente do atual ocupante do cargo. A famosa frase de Millôr que eles repetiam contra nós (“jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”) foi revogada desde que Temer chegou ao poder.
Seria estarrecedor, não fosse previsível, assistir aos mesmos veículos que se queixavam das “tentativas de censura” do PT por defender a democratização dos meios de comunicação no país, insultar jornalistas independentes, que não têm por trás de si nada além do talento e do público que conquistaram com seu trabalho honesto. É surreal ver os mesmos jornais que criticavam Lula por seu desprezo em relação à imprensa burguesa lançarem petardos furiosos contra reles blogueiros, cuja existência não deveria nem sequer perturbar meios de comunicação centenários. Ou o fracasso lhes subiu à cabeça?
Em 2010, quando ainda era presidente, Lula criticou a “grande” imprensa que sempre o perseguiu por “se comportar como partido político” e foi alvo de uma raivosa nota da ANJ (Associação Nacional dos Jornais), o órgão patronal dos veículos de comunicação. “O papel da imprensa, convém recordar, é o de levar à sociedade toda informação, opinião e crítica que contribua para as opções informadas dos cidadãos, mesmo aquelas que desagradem os governantes”, dizia o texto da ANJ. Pelo visto, o Estadão acha que esta premissa não cabe a jornalistas e blogueiros que não estejam na folha de pagamentos da mídia golpista.
Não se pode esquecer que o jornal dos Mesquita só deixou de apoiar a ditadura militar, da qual foi entusiasta de primeira hora, quando passou a sofrer, ele mesmo, censura. Como, desta vez, parece pouco provável que os golpistas se voltem contra seus parceiros, restou ao Estadão o papel ultrajante de sugerir censura e caça às bruxas a jornalistas e blogueiros de oposição.
(Cynara Menezes/ Socialista Morena)
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