Jorge Paz Amorim

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Sou Jorge Amorim, Combatente contra a viralatice direitista que assola o país há quinhentos anos.

sábado, 19 de julho de 2014

A REMILITARIZAÇÃO DO MÉXICO E AMÉRICA CENTRAL PELOS EUA

Durante sua breve vista à Costa Rica, em maio de 2013, o presidente norte-americano Barack Obama aparentou estar ansioso em ofuscar a agenda norte-americana para a segurança regional, enfatizando, ao invés disso, as relações comerciais, cooperação energética e programas para jovens. “O foco sempre acaba indo para segurança”, ele reclamou durante uma conferência de imprensa, junto de sua contraparte costarriquenha, Laura Chinchilla. “Mas nós também temos que reconhecer que problemas como o narcotráfico aumentam quando o país é vulnerável, por conta da pobreza, das instituições que não trabalham para o povo e pelos jovens que não enxergam um futuro mais brilhante à frente”, completou Obama. Perguntado por um jornalista sobre a possibilidade do uso de navios de guerra dos EUA para combater o tráfico de drogas, o presidente foi firme: “Eu não estou interessado em militarizar a luta contra o tráfico de drogas”.

O chamado “Triângulo do Norte” – que envolve El Salvador, Honduras e Guatemala – é considerado uma das regiões mais perigosas do planeta (Reprodução)

Organizações de direitos humanos na América Central, México e nos EUA, veem de maneira bem diferente a política de segurança regional da administração Obama. Em uma carta enviada no ano passado à Casa Branca e aos presidentes da região, mais de 145 organizações da sociedade civil pediu que os EUA parassem com sua política de “promover a militarização para responder ao crime organizado”. Essas políticas, lia-se na carta, apenas tiveram como resultado um “surgimento dramático de crimes violentos, frequentemente praticados pelas próprias forças de segurança. As violações de direitos humanos contra famílias e comunidades são, em muitos casos, diretamente atribuídos às políticas falhas e contraprodutivas das forças policiais que militarizaram nossa sociedade em nome da ‘guerra contra as drogas’”.

A última grande rodada de assistência militar dos EUA ao México e à América Central começou durante o segundo mandato do presidente George W. Bush. O financiamento às forças policiais e militares da região subiu em níveis nunca vistos desde as “guerras sujas”, na década de 1980. Ao passo em que as operações de narcotráfico se deslocaram do Caribe para o corredor centro-americano, os Estados Unidos trabalharam com os governos da região para montar uma guerra altamente militarizada contra as drogas, em uma área que ainda não havia se recuperado totalmente de quase duas décadas de guerras civis – apoiadas e financiadas pelos próprios EUA.

O Plano Colômbia e a Iniciativa Mérida

Em 2008, a administração Bush lançou a Iniciativa Mérida – um acordo de cooperação que fornecia treinamento, equipamentos e informações para as forças de segurança do México e da América Central. Um modelo chave para esses acordos foi o Plano Colômbia, um programa de 8 bilhões de dólares lançado em 1999, que previa o maciço de tropas e forças policiais militares para lutar tanto contra as drogas ilegais, quanto para combater guerrilhas de esquerda. O Plano Colômbia é frequentemente classificado pelos oficiais norte-americanos como um brilhante sucesso, que usam de estatísticas para mostrar como a produção de drogas e a violência resultante caíram, ao mesmo tempo em que o poder dos grupos rebeldes em conquistar territórios também diminuiu. Organizações de direitos humanos, no entanto, documentaram o vasto “dano colateral” que ocorreu em decorrência do Plano Colômbia – incluindo o deslocamento forçado de pelo menos 5,7 milhões de colombianos, milhares de assassinatos por esquadrões da morte e as contínuas ameaças e mortes a ativistas comunitários, líderes trabalhistas e jornalistas.

Oficial hondurenho cumprimentando um militar norte-americano das Forças Especiais (UNASOC/Creative Commons)

Sob Obama, o governo dos EUA renovou e expandiu o Mérida e, em 2011, criou a Iniciativa de Segurança Regional da América Central (Carsi, sigla em inglês). De 2008 a 2013, estes programas receberam mais de 2 bilhões e 574 milhões de dólares. Apesar de os porta-vozes da administração dizerem que os investimentos estão sendo feito em reforma judiciária e programas de prevenção às drogas, a maioria do montante tem sido gasta no apoio à militarização da guerra às drogas.

O surto de assistência dos EUA com a segurança coincidiu com o notável aumento na militarização das atividades para aplicação da lei. Iniciando-se em 2007, o ex-presidente Felipe Calderón, do México, começou a utilizar dezenas de milhares de tropas, como parte de seu programa governamental de repressão aos cartéis de drogas e crime organizado.

O México é um dos países mais militarizados da região e, em sua guerra contra as drogas, mais de 80 mil pessoas já morreram desde 2006 (The Atlantic)

Em El Salvador, tropas foram colocadas nas ruas em 2009 e o presidente salvadorenho Mauricio Funes indicou oficiais militares ativos e inativos para posições de alto escalão na segurança – reompendo com a tradição do país que, desde os acordos de paz de 1992, reservava a indicação de civis a estes postos. Em 2011, o governo hondurenho passou a enviar patrulhas militares às ruas para o combate de crimes comuns e, em agosto de 2013, uma nova polícia militar para a ordem pública foi criada, incumbida de destruir as atividades de gangues. O envolvimento militar em funções de policiamento havia sido proibido pela constituição de Honduras, mas em janeiro de 2014, aprovaram uma emenda que revertia tal proibição.

Na Guatemala, mais de 21 mil tropas do exército tomaram para si missões de policiamento, superando muitas vezes em números a quantidade de policiais nas áreas em que eram desembarcados.

Enquanto isso, os militares colombianos e oficiais de treinamento estão agora ativos por toda a região. Ansiosos em exportar o modelo “bem-sucedido” do Plano Colômbia, os EUA têm financiado programas de treinamento – realizados por forças de segurança colombianas, no México e América Central. Em 2012, os presidentes Barack Obama e Juan Manuel Santos, da Colômbia, anunciaram conjuntamente um plano multimilionário para toda a região.

Uma das regiões mais perigosas do planeta: o Triângulo do Norte

O governo dos EUA diz que o aumento no suporte às forças de segurança do México e dos países da América Central é uma resposta necessária para o também aumento, em níveis alarmantes, das atividades de tráfico de drogas que, por sua vez, aumentaram os crimes violentos. Mas a política norte-americana causou algum resultado? A questão é complicada, pois os EUA e seus aliados falharam em publicamente estabelecer métricas para avaliar os esforços contra o narcotráfico.

O que é certo é que a explosão de assistência militar dos EUA foi acompanhada por uma explosão dramática de crimes violentos em diversos países: as taxas de homicídios dispararam em El Salvador, Guatemala e Honduras, países esses que receberam grande parte do dinheiro da Carsi. Hoje, esses países – geralmente denominados como “Triângulo do Norte” – comprimem uma das regiões mais violentas do planeta. Enquanto isso, no México, a Human Rights Watch estima que cerca de 80 mil pessoas morreram por assassinatos relacionados à drogas desde 2006 – além de contar com pelo menos 200 mil mexicanos que foram forçados a deixar suas casas.

Oficiais norte-americanos, todavia, sugerem que a epidemia de violência na região indica, na realidade, a efetividade da guerra contra as drogas. O chefe do escritório de narcóticos do Departamento de Estado dos EUA disse recentemente que “o derramamento de sangue tende a ocorrer toda vez que as organizações criminosas passam a estar sobre forte pressão”. Mas essa teoria não se segura à luz de qualquer evidência concreta e parece desconsiderar que muitas das mortes não tinham ligação alguma ao tráfico de drogas.

Talvez a pior parte desse cenário é que a maioria da assistência militar saindo dos EUA para o México e América Central está indo para forças policiais e militares que apenas há duas décadas estavam cometendo horrendas ações de morte e tortura contra oponentes políticos e comunidades indígenas.

Com poucas exceções, as forças de segurança pela América Central não passaram por nenhum reforma séria desde a década de 1980 e os agentes de Estado responsáveis pelas violações de direitos humanos no passado não foram levados à Justiça, mesmo tendo cometido terríveis crimes como massacres de vilarejos inteiros. Atualmente, as instituições jurídicas da região – particularmente no México e no Triângulo do Norte – permanecem profundamente corruptas e ineficientes, contando com apenas uma pequena proporção dos crimes envolvendo as forças de segurança sendo investigadas e julgadas.

O governo dos EUA permanece relutante em reconhecer o aumento no número de mortes extrajudiciais e abusos de direitos humanos – notoriamente perpetrados por membros das forças de segurança do Estado recebendo apoio norte-americano. Ataques e mortes de mulheres, defensores dos direitos humanos, advogados, jornalistas, ativistas LGBT, líderes sindicais e oposicionistas políticos cresceram exponencialmente na região.

Apesar do enorme investimento dos EUA, aproximadamente 90% das drogas ilegais da América do Sul destinadas aos EUA são contrabandeadas através de sete países da América Central e pelo corredor mexicano e isso leva a uma pergunta: por que os bilhões e bilhões de dólares gastos em política falha apenas gerou mais violência? E por que em uma aparente repetição dos dias negros das guerras sujas na América Central, os EUA novamente investem tão pesadamente em fortalecer e forças de segurança corruptas com um histórico de direitos humanos fraquíssimo?

Novos inimigos: saem os comunistas, entram os  antiamericanos

A fé inabalável de oficiais norte-americanos no modelo militarizado da Colômbia é, sem dúvida nenhuma, uma das respostas para essas perguntas. Mas uma teimosa mentalidade baseada na Guerra Fria também pode estar por trás disso.

Após horas de entrevistas com oficiais do Departamento de Estado e membros do Congresso norte-americano, o jornalista investigativo Hector Silva Avalos recentemente observou em um relatório que a agenda de segurança dos EUA no Triângulo do Norte é dirigida, em partes, por uma percepção de ameaça no crescimento de poder regional da Venezuela. Uma nova “narrativa antiamericana” argumenta Avalos, substituiu a velha ameaça comunista aos olhos de políticos chaves em Washington.

A política antidrogas, falha e destrutiva, do governo dos EUA na região agora encara um aumento nos movimentos de resistência de líderes na América Central, assim como organizações locais. Os governos estão debatendo políticas alternativas que incluem a possibilidade de descriminalização da posse e uso de drogas.

Grupos de direitos humanos e movimentos sociais estão cada vez mais se unindo na luta contra o uso de tropas do exército e polícias militares na repressão de movimentos populares, quando esses na verdade estão apenas defendendo corporações em seus esforços para pilhar os ricos recursos naturais nas terras dessas comunidades. A prioridade, eles acreditam, é construir instituições judiciais fortes para julgarem os crimes contra os direitos humanos e transparentes para prestarem contas.

Para erradicar a praga dos crimes violentos, investimento é necessário, mas não com equipamentos militares, e sim em um desenvolvimento econômico igualitário e sustentável que atenda às necessidades básicas dos pobres.

(NACLA/via Revista Forum)

Um comentário:

Edmar Cabral disse...

A militarização da América Central tem nada a ver com "narcotráfico, não. A intenção é militarizar a região que vai "explodir" com a construção do "canal chinês", do "porto cubano" e da "área de processamento industrial" vinculada ao tal porto que se fará em Cuba.